A mundividência maneirista é estigmatizada por vários valores e entre eles temos a distorção, a ruptura da normalidade, o contraste, a crise do humanismo, a desilusão da vida... No mundo individual do artista há solidão e tristeza, instabilidade emocional, desespero, revolta, infortúnios pessoais, e como é óbvio, estes sentimentos confrontam-se com a ideia de constante superação e realização presente no épico. Apesar de Os Lusíadas serem uma obra épica, concorrem com essa expressão eufórica certos momentos em que se observa uma influência da estética maneirista.
Nas estrofes 105 e 106 do canto I, surge uma desvalorização do homem, pois é reconhecida a fragilidade humana no mundo (“Oh! Caminho de vida nunca certo,/[…]/ Tenha a vida tão pouca segurança” e “Que não se arme e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno?”) . Isto, por sua vez, está contra o antropocentrismo valorizado no Renascimento (e a epopeia é uma das obras mais valorizadas nesta corrente). Consequentemente, este excerto, não apoia o heroísmo, ou seja, está de acordo com a ideologia do Maneirismo.
No canto IV, o episódio do Velho do Restelo está contra aquilo que Os Lusíadas, no seu conjunto, procuram exaltar: o espírito guerreiro e expansionista dos portugueses que irá superar todos os obstáculos, ou seja, o épico. Esta personagem é o símbolo daqueles que em, em nome do bom senso, recusam as aventuras incertas, defendendo a sua preferência pela tranquilidade de uma vida mediana almejando a promessa de riquezas que, geralmente, se traduzem em desgraças. Isto reflecte-se principalmente nos versos “Que mortes, que perigos, que tormentas,/ Que crueldades neles esprimentas” e “Dura inquietação d’alma e da vida”. Por outras palavras, este episódio é um outro momento de anti-heroísmo, no qual é enaltecida a consciência das possíveis desilusões que podem provocar a ruptura da normalidade, estando, assim, enquadrado nos valores defendidos pela estética maneirista.
Dentro do canto V o poeta exprime o seu desânimo face ao desprezo dos Portugueses pelas letras e pela própria pátria, e situa-se, nomeadamente, nos versos 92-100. Tomem-se como exemplo os versos “Sem vergonha o não digo, que a razão/De algum não ser por versos excelente,/ É não se ver prezado o verso e rima,/Porque quem não sabe arte, não na estima.” da estrofe 97, uma vez que esta crítica feita por Camões reactualiza a presença de pensamentos de desespero e revolta.
Nas estrofes 78-87 do canto VII o poeta faz nova invocação às Ninfas e queixa-se da sua infelicidade (“Agora, com pobreza avorrecida,/ Por hospícios alheios degradado”), e ainda produz uma reflexão sobre a desgraça e a desilusão que lhe podem ser causadas pela aventura no mar ( “Vosso favor invoco, que navego/Por alto mar, com vento tão contrário,/ Que, se não me ajudais, hei grande medo/ Que o meu fraco batel se alague cedo.). Enfim, mais uma vez verifica-se a presença de valores da corrente maneirista na obra d’ Os Lusíadas.
No canto VIII, nomeadamente nas estrofes 96-99, vários versos reactualizam o pensamento de desgraça, desilusão, que só remetem para a infelicidade no mundo. Estes actos são consequência do poder do dinheiro, e este só envolve valores negativos entre as pessoas. Tais sentimentos observam-se nos seguintes versos: “ Veja agora o juízo curioso/Quanto no rico, assi como no pobre,/Pode o vil interesse e sede inimiga/Do dinheiro, que a tudo nos obriga.”; “Este remende munidas fortalezas;/Faz traidoros e falsos os amigos;/…/E entrega Capitães aos inimigos;/…/Este corrompe virginais purezas”. Observa-se, portanto, novamente, a marca de valores como a desilusão, a infelicidade e a ruptura daquilo que é normal.
Um outro exemplo com grande importância é o do canto X. Nas estrofes 145 e 146, Camões exprime o seu descontentamento em relação à própria colectividade portuguesa que vinha louvando, confrontando, assim, a prevalência do épico na obra. A pátria que Camões deixara em 1549, aos 28 anos, quando foi desterrado para Ceuta, já não era a mesma ao regressar em 1567, e contribuiu para o seu desespero na vida. Cansado e desiludido, pede licença à Musa para encerrar o canto. Identificam-se mais uma vez sentimentos de tristeza e desilusão (“E não do canto, mas de ver que venho/Cantar a gente surda e endurecida./[…]/ O favor com que mais se acende o engenho/ Não no dá a pátria, não, que está metida/No gosto da cobiça e na rudeza/ Dhua austera, apagada e vil tristeza.”), assim como pensamentos de distorção, revolta e ruptura do normal, como se vê nos versos “E não sei por que influxo do Destino/Não tem um ledo orgulho e geral gosto,/Que os ânimos levanta de contino/A ter pera trabalhos ledo o rosto.”
Concluindo, Luis de Camões, a propósito do passado, do presente ou até do futuro, tece considerações de uma grande autenticidade lírica, exteriorizando os seus sentimentos e ideias sobre as contingências da vida humana, entre muitos outros valores que fazem parte da disforia do Maneirismo. Comprova-se, assim, a existência de sentimentos de dúvida, fracasso, ambiguidade e desilusão, que surgem como uma fuga aos tumultos da realidade concreta e são estes elementos que denunciam um desejo intenso de ordem e paz e que transformam o produto literário d’ Os Lusíadas numa obra influenciada pela estética maneirista, e não só pelo Renascimento, ou seja, pelo ideário épico.
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