Trabalho realizado pela aluna Inês Chim, 12º I, 2013/14
Prof. João Morais
A infância é um tema
recorrentemente explorado na obra de Pessoa, não só em Pessoa ortónimo mas,
também, nos seus heterónimos, designadamente em Alberto Caeiro, em Álvaro de
Campos e em Ricardo Reis.
A
infância é representada tanto em Fernando Pessoa ortónimo como em Campos,
enquanto a época feliz, o tempo em que o sujeito poético experimenta alegria, o
que se opõe à realidade do presente, ou seja, há uma oposição passado presente,
que se configura ao nível da matéria lírica. O passado, o tempo da infância, é,
assim, o tempo da felicidade, enquanto o presente, a idade adulta, representa o
tempo da infelicidade e do tédio.
Um
dos textos representativos desta ideia em Fernando Pessoa ortónimo é “A criança que fui chora na estrada”.
Neste poema, o sujeito poético mostra a saudade do passado e a angústia do
presente (“Mas hoje, vendo que o que sou
é nada,/ Quero ir buscar quem fui onde ficou”). A infância em Fernando
Pessoa ortónimo apresenta-se, também, relacionada com a fantasia, com a
vertente lúdica, com a transfiguração da realidade, presente no poema “Chuva Oblíqua (parte VI)”, onde essa
ideia é visível (“O maestro sacode a
batuta […] Lembra-me a minha infância, aquele dia/ Em que eu brincava ao pé de
um muro de quintal […]”). No poema “Quando
as crianças brincam” a infância aparece relacionada com a nostalgia não só
da infância como, também, da inocência (“Quando
as crianças brincam [...] Qualquer coisa em minha alma/ Começa a se alegrar
[...] E toda aquela infância/ Que não tive me vem [...]”). No texto “O menino da sua mãe”, a perda da
infância institui a morte simbólica pelo afastamento da ternura e dos afetos (“Tão jovem! que jovem era!/ (Agora que
idade tem?)/ Filho único, a mãe lhe dera/ Um nome e o mantivera/ in «O menino
da sua mãe»”).
Álvaro de Campos apresenta,
de uma maneira parecida com Fernando Pessoa ortónimo, a nostalgia da infância.
Tal como Pessoa, Campos considera a infância o tempo da felicidade, o que se
opõe ao presente, no qual é infeliz. O poema “Aniversário” mostra isso mesmo: a felicidade sentida no tempo da
infância (“No tempo em que festejavam o
dia dos meus anos,/ Eu era feliz e ninguém estava morto”) e o tédio do
presente (“O que eu sou hoje é como a
humidade no corredor do fim da casa, […]/ O que eu sou hoje é terem vendido a
casa,/ É terem morrido todos […]”), antítese reatualizada do ortónimo.
Neste poema é quase feito um retrato da infância do sujeito lírico, uma
descrição das rotinas festivas que se passavam na sua infância (“A mesa posta com mais lugares, com
melhores desenhos na loiça, com mais copos,/ O aparador com muitas coisas –
doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado-,/ As tias velhas, os primos
diferentes, e tudo era por minha causa […]”). No poema “Datilografia”, a infância aparece relacionada com a vida e a cor (“Outrora quando fui outro, eram castelos e
cavalarias […] Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,/ Eram
grandes palmares do Sul, opulentos de verdes/ Outrora…”). No texto “Ode marítima”, apesar de se tratar de
um texto que se inscreve, manifestamente, na fase futurista de Campos, o
sujeito poético mostra a sua vontade de regressar ao passado, ao tempo feliz, e
de lá permanecer (“Ó meu passado de infância,
boneco que me partiram!/ Não poder viajar pra o passado, para aquela casa e
aquela afeição,/ E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente!”).
Alberto
Caeiro, sendo sensacionista, considera a infância um sinónimo de pureza,
inocência e simplicidade porque a criança não pensa, e é isso que Caeiro
defende. Um dos exemplos representativos desta ideia é o poema “Criança desconhecida e suja brincando à
minha porta”, no qual o sujeito poético admira a criança e a sua forma de
sentir (“O modo como esta criança está
suja é diferente do modo como as outras estão sujas./ Brinca! pegando numa
pedra que te cabe na mão […]”) e demonstra, mais uma vez, o seu desprezo
pelo pensar (“Porque conhecer é como nunca
ter visto pela primeira vez,/ E nunca ter visto pela primeira vez é só ter
ouvido contar”). No poema “Num
meio-dia de fim de primavera”, há um retrato de uma criança: o menino
Jesus, que apresenta características diferentes das quais estamos acostumados.
Caeiro descreve-o como uma criança vulgar, que faz as mesmas diabruras que as
outras crianças (“Vi Jesus Cristo descer
à terra./ Veio pela encosta de um monte/ Tornado outra vez menino,/ A correr e
a rolar-se pela erva/ E a arrancar flores para as deitar fora/ E a rir de modo
a ouvir-se de longe”). Mais tarde, Caeiro diz ser o menino que o acompanha (“É uma criança bonita de riso e natural./ Limpa
o nariz ao braço direito,/ Chapinha nas poças de água,/ Colhe as flores e gosta
delas e esquece-as […] O Menino Jesus adormece nos meus braços/ e eu levo-o ao
colo para casa”). O retrato de Jesus, neste texto, aproxima-se do resto das
outras crianças e transparece aquilo que Alberto Caeiro entende que deve ser a
infância: a época da simplicidade, o tempo em que a criança não pensa, apenas
vive e sente.
Em
Ricardo Reis, o tema da infância ocorre enquanto matéria lírica com valor
simbólico: é o lado oposto da “velhice”
da qual ele tem tanto medo, o que se encontra explícito no poema “Sofro, Lídia, do medo do destino/Sem
renovar/ Meus dias, mas que um passe e outro passe/ Ficando eu sempre quase o
mesmo; indo/ Para a velhice como um dia entra/ No anoitecer”). A infância é
sinónimo do primado da objetividade, do isolamento na Natureza, longe dos
adultos, que fizeram a civilização (“Pagãos
inocentes da decadência”, in “Vem
Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio”).
Podemos
concluir que a infância é um tema transversal na poética de Fernando Pessoa,
ainda que com configurações diferentes: Pessoa ortónimo e Campos consideram a
infância o tempo da felicidade, que se opõe ao presente; já Caeiro olha para a
infância com olhos diferentes,
considerando-a um modelo de comportamento. Por fim, em Reis, o que prevalece no
tema da infância é sobretudo o valor simbólico, a idade de ouro, que representa o seu confronto com a experiência da
realidade do poeta, ser que se defende em vão da inexorabilidade do destino e
da morte.
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