Nas composições líricas de Camões manifestam-se dois tipos de mulher: a mulher petrarquista e o ideal de Vénus. A primeira, de cariz exclusivamente espiritual, representa a mulher numa dimensão etérea, colocando-a numa idealização de qualidades psicológicas e, assim, num plano inacessível ao amado, estabelecendo-se uma relação de vassalo e suserano entre ambos (“Um mover d’ olhos brando e piadoso”). O ideal de Vénus, pelo contrário, surge como uma representação carnal da figura feminina, com contornos definidos e palpáveis e de profunda sensualidade (“Descalça vai pera a fonte/Lianor pela verdura”). Corresponde à exaltação da dimensão sensível e terrena do amor, permitindo ao homem libertar-se das convenções sociais em que vive, uma vez que surge associada não só à beleza como também à sedução.
Para além do antagonismo presente na caracterização da mulher em Camões, a sua poesia de cunho autobiográfico (“Erros meus, má fortuna, amor ardente”) inscreve a experiência pessoal do poeta (“Endechas a bárbara escrava”), que, através das suas vivências, tornam únicos os episódios de vida cantados. Para além do amor não correspondido e das peripécias que tenham resultado de um temperamento arrebatado, surge, assim, um sofrimento que domina a expressão lírica do poeta sempre vitimado por um destino omnipresente e inexorável. No soneto “Erros meus, má fortuna, amor ardente” o poeta atribui aos fados a grande causa da sua “perdição”.
Outro dos aspetos que distancia Camões da poesia do seu tempo é a presença quase constante do sentimento de revolta. À volta deste tema, o poeta manifesta a sua indignação pela sociedade em que se encontra encarcerado, sendo possível identificar a existência de um desespero humanista (“Esparsa sua ao desconcerto do mundo”) e que concorre para a construção de uma poesia mais pessoal e menos convencional. Estamos longe da contenção e do equilíbrio de algumas composições mais marcadas pelo otimismo e pela confiança renascentistas. Nas suas poesias mais marcadas pelo Maneirismo, Camões representa um cenário apocalíptico que marca o desespero e a revolta perante a sua vida e o mundo (“O dia em que eu nasci moura e pereça”).
Contemplação, experiência pessoal, revolta, são várias as razões que contribuem para a distinção da lírica camoniana, destacando-se principalmente a naturalidade, a simplicidade, a agilidade e o cunho pessoal singular que Camões deu à poesia do seu tempo e que torna a sua poesia única.
Autor: Vasco Ramos, 10º D
Prof. João Morais