Prof. João Morais
No Canto IV d’Os Lusíadas, após o episódio das Despedidas de Belém, surge o episódio do Velho do Restelo, em que um homem idoso “de aspecto respeitável” com “voz pesada” e de “saber só de experiências feito” condena os navegantes que tinham embarcado na Praia do Restelo para iniciarem a viagem marítima para a Índia. Este acto tinha como propósito a cobiça, o desejo de riquezas, o poder e a fama. Ele é uma representação simbólica das críticas do povo e das dúvidas e receios do próprio poeta, Luís de Camões, em relação ao projecto da Viagem. Emerge, portanto, neste episódio, uma dualidade: a oposição entre os ideais heróicos, típicos das epopeias, e os ideais anti-progressistas. Por outras palavras e metaforicamente falando, o nosso mundo, independentemente do tempo em que vivamos, pode ser representado a duas velocidades: a rápida, que remete para a evolução, a mudança, a descoberta e o desenvolvimento; e a lenta, que remete para as tradições, a conservação, a estabilidade e conforto.
Embora a Epopeia tenha sido escrita no século XVI, podemos relacionar este tema com tantos outros da actualidade que levantam questões a nível ético, social, ambiental, etc. Um destes é a evolução na Engenharia Genética, relacionada, por exemplo, com a manipulação genética, que muitas pessoas não apoiam devido aos riscos que dela podem advir e aos desequilíbrios que se podem produzir no meio ambiente e na sociedade. [fiz §]
Outro exemplo é a produção de energia nuclear, que, apesar das suas vantagens, pode interferir nos ecossistemas e na segurança da população mundial. Observamos, então, ainda presentemente, uma rivalidade entre as duas velocidades, sem muitas vezes ter surgido um consenso.
A verdade é que temos de pensar que, para todos os avanços, existem repercussões. Tendo isso em conta, acredito que devemos sempre encontrar um equilíbrio. Como diz o provérbio popular, “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Este provérbio adequa-se a esta situação, no sentido em que os portugueses não deviam seguir para o desconhecido sem pensar nas consequências e prevenções, mas também não deviam ficar em terra e deixar de parte os seus sonhos e ambições.
Talvez o Velho do Restelo não seja uma figura totalmente negativa, mas apenas uma forma de alertar o leitor para as consequências de todas as acções que têm como fim quebrar os padrões tradicionais da sociedade. A cada passo que se toma em frente, devemos sempre olhar para trás e ver os efeitos dos nossos actos e o impacte que estes provocam. Vemos essa situação, mais concretamente, neste episódio d’Os Lusíadas, quando o Velho do Restelo faz referência à família e aos amigos que ficam para trás, sem saber o destino dos seus entes queridos e sem saber se realmente esta missão teria algum impacte positivo nas suas vidas como indivíduos e como seres sociais. Na realidade, o Velho do Restelo pretendia salientar o facto de os navegadores estarem a enfrentar desnecessariamente perigos desconhecidos, assim abandonando os perigos urgentes que se faziam sentir em Portugal, a sua pátria.
Concluindo, será que nos devemos conformar com apenas essas duas velocidades? Ou será que poderemos encontrar uma velocidade intermédia em que, na busca da sabedoria, não fiquemos cegos de ganância e cobiça? A ambição é positiva, mas temos de pensar quando é que estamos a comprometer e a prejudicar o mundo exterior. É necessário reflectir sobre os limites que a natureza nos impôs e sobre o facto de, ao ultrapassar esses limites, podermos estar a sobrevalorizar interesses comerciais e bélicos em oposição aos verdadeiros interesses em defesa de uma vida melhor e do conhecimento.
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