Trabalho realizado pela aluna Inês Chim, 11º I, Abril 2013
Prof. João Morais
«[…] que maldição pesa sobre a assunção do nosso destino?,
sobre o confronto connosco mesmos?, sobre a evidência da nossa condição?.»
Vergílio Ferreira, Aparição, 16ª ed., Livraria Bertrand,
1983.
Na Aparição,
de Vergílio Ferreira, é explorada a vertente da descoberta e da revelação
humana.
Esta obra inscreve-se na corrente
filosófica do Existencialismo, sendo esta corrente caracterizada pelo seu
humanismo que propõe a construção do Homem a partir de si mesmo, vertente
explorada ao longo de todo esta obra.
A personagem principal propõe a si
própria inúmeros desafios como descobrir a existência do eu, a explicação da
inverosimilhança da morte na vida, a crença no homem enquanto ser comunicante e
a substituição de Deus por si próprio.
A personagem narrador, Alberto Soares, toma
a morte do pai como ponto de partida para a exploração do seu caminho da
tentativa de descobrir a “luz”. Após a perda do seu progenitor, Alberto
apercebe-se que tem um problema: não consegue integrar a morte na vida (“[…] Portanto, eu tinha um problema:
justificar a vida em face da inverosimilhança da morte […]” – Cap. IV, Aparição).
Alberto desafia Deus, abandonando-o e
substituindo-o, procurando alcançar a sabedoria total sobre si e sobre os
outros. Chega mesmo a tomar-se um messias, tentando espalhar a sua palavra
enquanto ser iluminador do mundo e criar súbditos.
Confrontando-se com outras personagens
e outros pontos de vista, a personagem interroga-se (“[…] E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à
prisão? […] Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao
silêncio prisional? […]” – Cap. VII, Aparição)
e reflete constantemente. Esse confronto é crucial para o debate de ideias e
para a perceção dos caminhos diferentes que as outras personagens tomam.
Bastante percetíveis, também, são as
inquietações que a personagem provoca em outras personagens como Ana, Sofia e
Carolino (tendo cada um deles interpretado a linguagem do narrador de forma
diferente e tendo, assim, um desfecho igualmente diferente), o que não é aceite
na axiologia comum. Por isso, Alberto é visto como um “criminoso”.
Sofia desafia tudo e todos, as leis da vida
e da morte. É uma personagem possuída de grande loucura, indiferente às
aflições da família e tenta suicidar-se inúmeras vezes. Desde o início que esta
personagem conhece a grande notícia de que o narrador diz ser portador e, de
certa forma, assemelha-se a este devido às suas próprias inquietações às quais
consegue dar voz.
Carolino é apresentado como um louco que
decide substituir-se aos deuses e agir em seu lugar, deturpando as palavras e a
mensagem de Alberto. Ao fazê-lo, Carolino, ao contrário de Alberto, assume-se
como deus que tem o poder de destruir e de matar, chegando a tentar matar quem
o “criou” (“[…] Sou livre, sou grande,
tenho em mim um poder imenso. Imenso como Deus. Ele construía. Eu posso
destruir […]” – Cap. XIX, Aparição).
Ana, por outro ladro, desde o seu primeiro
contacto com a personagem narrador, percebe que este tem uma série de
inquietações e tenta resistir-lhe. Mas Ana e Alberto têm algo em comum: a
partilha duma linguagem. Ana é influenciada pela morte da irmã, Cristina
(Cristo), e pela linguagem do narrador (“[…]
Sei-o, porque foi a sua linguagem que
eu achei para me exprimir a mim mesma […]” – Cap. XX, Aparição), não pela sua ideologia, Ana volta a acreditar na
religião e atinge um estado de tranquilidade.
Devido às suas inquietações e densidade
psicológica, todas estas personagens são modeladas.
Chico, uma outra personagem que não se
insere na axiologia comum, vai ser oponente da personagem principal e do que
esta pretende transmitir. Apesar de ambas as personagens não se inscreverem na
axiologia comum, Alberto assume-se como humanista e Chico, como materialista.
Defende ideias completamente opostas às de Alberto, estando sempre contra ele e
culpando-o de tudo o que aconteceu, principalmente com Ana (“[…] Mas ela [Ana] repete-o
a você, ela diz exatamente as suas palavras […] Falo da sua mixórdia irracionalista,
dos seus sofismas, da suas perversão […]” – Cap. XXI, Aparição ).
Chico é uma personagem plana porque, pode
concluir-se, não tem densidade psicológica e mantém-se fiel à sua ideologia,
não tendo qualquer tipo de inquietações ou dilemas interiores.
É percetível a inquietação constante em que
a personagem principal vive,
questionando-se por tudo e mais alguma coisa, com o objetivo de encontrar a sua aparição, de viver em tranquilidade.
E a maior parte deste caminho é possível de ser realizado devido à memória – a
memória ocupa uma função fundamental para o decorrer da própria história e das
interrogações da personagem: dois dos episódios representativos são o do
Mondego e o da morte do Bailote.
No fim do seu longo percurso, a personagem
acaba por atingir uma certa tranquilidade mas, mesmo assim, afirma que o seu
triunfo é “apaziguador” …
Na obra Aparição é, de facto, possível verificar
a exploração da vertente da descoberta e da revelação humana através das
interrogações constantes, da reflexão, das inquietações (sentidas e provocadas)
pela personagem Alberto. No entanto, pode, também, verificar-se que os seus
objetivos não são totalmente cumpridos porque, após todo o caminho, a
personagem percebe que nem todas as perguntas têm resposta e que a aparição não
tem fim, há sempre continuidade – é um processo inconcluso.
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