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Introdução
A
obra Folhas Caídas, de Almeida
Garrett, engloba um conjunto de poemas de temática amorosa, escritos no fim da
vida de poeta. Ao que se crê, estas composições poéticas são um reportório em
verso dos sentimentos que a paixão pela Viscondessa da Luz terá despertado em
Garrett.
Nesta
obra observa-se uma poesia confessional, um misto de sinceridade e fingimento,
exibicionismo e desengano.
A
obra é inovadora pela forma utilizada, com o predomínio da redondilha maior e da
menor, o uso da sinestesia e uma certa conceção dramática que subjaz à maioria
dos poemas e que se traduz no tom coloquial da linguagem.
Esta
coletânea de poemas é, sem dúvida, a mais interessante de Garrett e é nela que
mais livremente se expande o individualismo romântico e a frescura dum estilo
solto e sem peias.
A Advertência
A
anteceder os poemas, pode ler-se a Advertência
datada de Janeiro de 1853. Nela encontram-se algumas linhas de leitura da
poesia amorosa deste livro.
Na
Advertência, Garrett começa por
sugerir que a coletânea Folhas Caídas não
é fruto de um acaso, antes o produto de uma escolha criteriosa (“ [...] essas folhas de poesia que por aí caíram
vamos escolher uma ou outra que valha a pena conservar […] ”).
No
parágrafo seguinte é possível reconhecer que Garrett tem a peculiaridade de
saber jogar com o leitor, desculpando-se sempre (“ Enganei o público, mas de boa-fé, porque me enganei primeiro a mim.”).
De
seguida, o autor refere o tom confessional e intimista que perpassa os diversos
poemas da obra (“ Os cantos que formam esta
pequena coleção pertencem todos a uma época de vida íntima e recolhida […] ”)
e afirma que haveria de ser poeta em tudo e durante toda a vida, reforçando,
deste modo, o seu carácter romântico (“
Poeta na Primavera, no Estio e no Outono da vida, hei de sê-lo Inverno, se lá
chegar, e hei de sê-lo em tudo”).
Mais
à frente ainda na Advertência, o
poeta mostra a sua indiferença perante a reação do público aos seus poemas (“ E como nada são por ele nem para ele, é
provável que o público sinta bem diversamente que o autor. Que importa?”).
É de destacar também o facto de Garrett considerar que o melhor juiz que pode
ter é ele próprio, enquanto homem lúcido, de olhos abertos (“ [...] parece-me que o melhor e mais reto juiz que
pode ter um escritor é ele próprio, quando o não cega o amor-próprio. Eu sei
que tenho os olhos abertos […] ”).
Neste
seguimento, Almeida Garrett reconhece os defeitos dos seus poemas, mas
revela-se incapaz de os queimar (“Enfim,
eu não queimo estes.”), pois, na sua opinião, esta tarefa não lhe cabe a si,
mas ao Deus que o inspirou na elaboração dos mesmos (“E o deus que os inspirou que os aniquile se quiser: não me julgo no
direito de o fazer eu”). Este deus desconhecido (Ignoto Deo), a quem o poeta consagra os seus versos, é mistificado
e envolvido num manto de mistério (“O meu
deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido
sentimento de alma […] ”).
Na
parte final da Advertência, Garrett
fala sobre a loucura do poeta que aspira atingir o impossível, o infinito,
estabelecendo-se uma contradição entre a aspiração dos poetas ao ideal e ao
infinito (“ […] que tendendo para o fim
único, a posse do Ideal […] ”) e a incapacidade dos mesmos de o atingir (“Ao infinito não se chega, porque deixava de
o ser em se chegando a ele.”).
Por
fim, o autor termina a Advertência sublinhando
o estatuto do poeta enquanto ser incompreendido (“ [...] vós não entendeis nada dele.”). Este revela-se ao mesmo tempo como
um ser superior, que na morte apenas perde a matéria, a pequena parte em que se
assemelha aos homens (“ […] só morrerá
dele aquilo em que se pareceu e se uniu convosco.”), prevalecendo eterno o
seu espírito.
Este inferno de amar
Em
primeiro lugar, neste poema é feita uma reflexão sobre uma relação amorosa que
funciona ao mesmo tempo como fonte de vida e de dor para o eu poético.
Esta composição poética, cujo tema gira à volta das contradições do amor, pode
dividir-se em três partes lógicas. Na primeira parte, a primeira estofe, o eu poético pergunta a
si próprio como foi possível aparecer em si esse amor fatal (“Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?”), que, a um tempo, o consome e lhe dá vida (“Esta chama que alenta e consome,/Que é a vida […] ”). Na segunda parte, a segunda
estrofe, o sujeito poético recorda-se com saudade da vida serena e sonhadora
que tinha vivido antes (“A outra vida que
dantes vivi/ Era um sonho talvez […] / Em que paz tão serena a dormi!”), questionando-se depois sobre quem o veio tirar desse sonho (“Quem me veio, ai de mim! Despertar?”). Na terceira parte, isto é, na terceira e última estrofe, o eu
poético parece encontrar o motivo desse fatal amor (“E os meus olhos […] / Em seus
olhos ardentes os pus.”) que veio modificar a
sua vida.
Por
outro lado, é de notar a relação de oposição que se estabelece entre o presente
e o passado neste poema de Garrett. O presente (primeira estrofe) surge em
oposição a um duplo passado: o passado anterior à amada (segunda estrofe) e o
passado com a mesma (terceira estrofe). Assim, pode inferir-se que o sentido
dubitativo do poema (“ Que fez ela? Eu
que fiz?”) é também visível na sua organização interna, que não é
determinada por uma ordem cronológica.
Através
da análise do poema, é possível perceber que o retrato da mulher aqui presente
é o da mulher fatal, típica do Romantismo, que arrasta o eu poético para o
abismo da perdição. Esta mulher proporciona ao sujeito poético uma vida de
“inferno”, com uma relação amorosa ardente desde o momento em que se conheceram,
tornando ela a existência do eu poético desejada, viva, com razão de ser.
Relativamente
à forma, esta composição poética é constituída por três sextilhas. A rima não
obedece a um esquema rígido sendo cruzada no segundo e quarto verso,
emparelhada no quinto e sexto e branca nos restantes – expressão da liberdade
que Garrett inaugura na poesia portuguesa. Quanto ao ritmo do poema,
verifica-se uma cadência ternária com acentos na 3ª,6ª e 9ª sílabas métricas.
Neste
poema, Garrett utiliza uma linguagem simples e recorre a diversos recursos de
estilo para transmitir os estados de espírito do eu poético e obter um lirismo
subjetivo e profundo. Entre estes recursos de estilo destacam-se a metáfora (“este inferno de amar”) e a antítese (“alenta e consome”- efeito contraditório
do amor).
Por
fim, é também importante sublinhar as características românticas presentes
tanto na forma como no conteúdo do poema. Relativamente à forma, para além da
escrita livre sem rigor no metro e na rima, a linguagem é simples e o ocorre
uma panóplia de recursos estilísticos para representar o estado de alma do
sujeito poético. Destaca-se a utilização de uma linguagem coloquial com
predomínio para repetições, interjeições, frases interrogativas e suspensas,
como marca do Romantismo. Por outro lado, relativamente ao conteúdo, o tom
retórico, a hiperbolização do sofrimento do eu poético, a divinação da mulher
como mulher fatal e a importância dos sentimentos são marcas românticas muito
presentes neste poema de Garrett.
Em
conclusão, interroga-se a natureza do amor num poema de uma veemência raramente
atingida na poesia portuguesa.
Os cinco sentidos
Em
primeiro lugar, nesta composição poética há uma superlativação da mulher amada
face à Natureza. Verifica-se uma dependência do eu poético relativamente a essa
mulher, em virtude de não lhe serem despertados quaisquer dos cinco sentidos
sem ela e não encontrar qualquer prazer, beleza, alegria no mundo exterior.
Todos os seus sentidos estão centrados e orientados para ela (“A ti!
ai, a ti só os meus sentidos/ Todos num confundidos,/ Sentem, ouvem, respiram;”).
Este
poema, cujo tema passa pelo amor sensual, erótico e mesmo pela excitação
carnal, pode ser dividido em duas partes lógicas. A primeira parte, as
primeiras cinco sextilhas, corresponde ao registo das cinco sensações do
sujeito poético a partir do que a Natureza e a amada lhe oferecem (“Mil
cores - divinais têm essas flores; […] / Não vejo outra beleza/ Senão a ti - a
ti!”), num crescendo de sensações tendentes noa segunda parte ao paroxismo do
êxtase. A segunda parte, a última estrofe, sintetiza a entrega total do eu
poético à amada (“A
minha vida em ti;/ E quando venha a morte,/ Será morrer por ti”).
Relativamente ao conteúdo de
cada estrofe, na primeira sextilha existe uma incapacidade por parte do eu
poético para apreciar a beleza das estrelas e das flores, pois está obcecado
pela beleza da mulher amada (“Em toda a
natureza/ Não vejo outra beleza/ Senão a ti […] ”). Nesta estrofe é estabelecida uma relação entre
a amada e a Natureza, verificando-se uma superlativação desta última através da
conjunção adversativa mas (“Mas eu não
tenho, amor, olhos para elas”), do advérbio de exclusão senão, da repetição da expressão a ti e pela exclamação final (“Senão
a ti - a ti!”). Ainda relativamente à primeira estrofe é importante
salientar que todo o discurso do eu poético se destina à amada, cuja presença
silenciosa está patente no vocativo amor
e pelas formas pronominais da segunda pessoa.
Na segunda sextilha o sujeito
poético revela-se incapaz de apreciar a voz harmoniosa do rouxinol (“[…] mas eu do rouxinol que trina/ Não oiço a
melodia”), pela razão da sua audição
apenas captar os sons da mulher amada, constatando-se, nesta estrofe e no resto
do poema uma superioridade da amada em relação à Natureza, facto que concorre
para o seu estatuto de mulher-anjo, típico do romantismo.
Na terceira, na quarta e quinta
sextilhas o eu poético revela-se igualmente incapaz de apreciar a natureza, ao
nível do olfato, do paladar e do tato respetivamente. É de destacar o reforço
do caráter erótico do amor na quarta e quinta estrofes. Na última estrofe, verifica-se
que os sentidos do eu vibram na presença da amada, a quem ele entrega a sua
vida (“A minha vida em ti;/ E quando
venha a morte,/ Será morrer por ti”), sofrendo, assim, de uma morte de amor
por excesso de felicidade e prazer, ou seja, uma morte que se renovará no
orgasmo do fim da comunhão sexual.
Ao longo desta composição
poética de Garrett, a referência aos cinco sentidos está organizada de forma
progressiva nas cinco primeiras estrofes: do mais distante (visão) ao mais
próximo (tato), do mais abstrato ao mais concreto, da observação exterior ao
contacto físico.
Neste poema, Garrett recorre a
metáforas para confirmar o carácter erótico da composição poética (“relva luzidia” = corpo da mulher),
comparações para exaltar a mulher amada (“ São
belas… Senão a ti”), hipérboles (“Mil
cores”) e à anáfora da expressão a ti
para mostrar o estado emocional do sujeito poético. A sensualidade que ressuma
das palavras e do ritmo terão feito corar as faces mais pudicas dos leitores
que, porventura, terão lido estes versos às escondidas.
Será assim ainda hoje?
Relativamente à forma, o poema é
composto por cinco sextilhas e uma oitava final. As sextilhas apresentam três
versos decassilábicos e três versos hexassilábicos, enquanto a oitava tem um
verso decassilábico e os restantes hexassilábicos. Quanto à rima, esta é
cruzada e emparelhada tanto nas sextilhas como na oitava, apresentando as
sextilhas igualmente versos brancos.
Por fim, este poema apresenta características
românticas, das quais se destacam a ligação amor e Natureza, a valorização da
sensualidade, o individualismo, a presença do ideal da mulher-anjo e a rejeição
do conhecimento racional pelos sentidos.
·
Cascais
Este longo poema, cujo tema é a
saudade, divide-se claramente em três partes. Na primeira parte, da primeira à
terceira estrofes, o sujeito poético descreve a Natureza (“O mar que incessante brama…/ Tudo ali era braveza/ De selvagem
natureza.”). Esta descrição apresenta uma conotação positiva e corresponde
ao passado do eu poético antes da amada. De seguida, na segunda parte desta
composição poética, da quarta à oitava estrofes, a descrição das estrofes
anteriores dá lugar à narração e o eu poético narra o seu passado com a amada,
tempo de felicidade amorosa (“Ali sós no
mundo, sós,/ Santo Deus! Como vivemos!”). Na terceira parte, isto é, nas
três últimas estrofes, o sujeito poético retoma a descrição, mas desta vez esta
apresenta uma conotação negativa (“Mas o
céu já não começa:/ Sumiu-se na treva espessa, / E deixou nua a bruteza”).
A diferença entre as duas visões da Natureza resulta da alteração dos
sentimentos do sujeito poético (“Oh! Que
fatais desenganos,”).
A descrição da Natureza neste
poema de Garrett corresponde a uma visão romântica, quer pelos elementos que a
compõem, quer pela caracterização dos mesmos, quer pela imagem global que dela
resulta (“braveza”, “selvagem natureza”, “bruteza”,
“agreste natureza”). Ainda no âmbito do modelo romântico encontramos a
relação amorosa entre o sujeito poético e a amada, visto que se verifica o
isolamento (“sós no mundo sós”), a
exclusividade (“Como ela vivia em mim/
Como eu tinha nela tudo”), a perda de noção da realidade (“essas horas fugidias/ séculos na
intensidade”) e a impossibilidade de se realizar no presente (“depois os senti/ Os travos que ela
deixou…”).
Neste longo poema de onze estrofes
de seis versos, com um esquema rimático fixo (ababcc), existe um espaço
delimitado, à semelhança das obras dramáticas, dentro do qual se desenrola a
narrativa sentimental (amei, deixei de amar). Este espaço é a serra, mais
concretamente “ali” onde acaba a Terra (“Acabava ali a Terra”). Esse ponto
concreto é referido por diferentes deíticos espaciais nas três partes do poema
(“Aí na quebra do monte”; “Ali sós no mundo […] ”; “Lá onde se acaba a Terra”).
Esta alteração de posições está relacionada com a passagem do tempo, elemento
estrutural deste poema. A passagem do tempo corresponde à mudança dos
sentimentos do sujeito poético dentro do esquema tipicamente romântico: ao
passado corresponde o tempo da felicidade; o presente é o tempo da desilusão e
do sofrimento.
Em conclusão, este poema retrata
o drama do tempo que mata o milagre do amor, refletido no lugar (Cascais). O
lugar é o mesmo e já não é, ela é a mesma e já não é, ele é o mesmo e já não é,
visto que o tempo passou. No entanto, Cascais é a memória.
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Barca bela
Nesta composição
poética, cujo tema é o poder de sedução da mulher, Garrett alerta todos os
homens para os perigos que podem advir de um relacionamento amoroso.
Neste poema, alguns
elementos encontram-se revestidos de simbolismo, isto é o caso da estrela que
simboliza a fatalidade e da sereia que é simbolicamente usada para designar os
perigos.
Este poema de
Garrett pode ser dividido em três partes lógicas. Na primeira parte, a primeira
quadra, há uma constatação da beleza da mulher (“Que é tão bela?”). Na segunda parte, da segunda à quarta quadra,
o sujeito poético alerta o pescador das precauções (“Colhe a vela,”) a tomar para não cair em tentação (“ Não se enrede na rede dela”) e avisa-o acerca de possíveis perigos (“Deita o lanço com cautela,/ Que a sereia
canta bela…/ Mas cautela,”). Na terceira parte, isto é, na quinta estrofe,
o eu poético dirige um apelo ao amante para que não se envolva (“Pescador da barca bela,/ Inda é tempo,
foge dela,”).
Relativamente à
caracterização da mulher verifica-se que esta é ao mesmo tempo descrita como
fonte de beleza e de encantamento (“Que é
tão bela”; “Que a sereia canta bela”) e como fonte de perigo (“Foge dela”).
Este poema
apresenta uma variedade de recursos estilísticos, entre os quais se encontram:
a metáfora, presente, por exemplo, na sereia que simboliza a sedução e os
perigos da vida; a apóstrofe (“Pescador
da barca bela,”); e a aliteração (“
[…] barca bela,/ […] com cautela”).
Em termos
linguísticos, nesta composição poética predominam o uso do imperativo (“Colhe
a vela,”), o tom coloquial (“Onde
vais […] ”; “Inda […] ”), os trocadilhos
(“ […] enrede a rede […] ”) e as repetições (“Pescador da barca bela,/ […] foge dela,/ Foge dela,/ Oh pescador!”),
as quais mostram a urgência do apelo e a iminência do perigo.
Quanto à forma,
este poema é composto por cinco quadras, nas quais dois versos são
heptassilábicos, e os outros dois são trissilábico e tetrassilábico,
respetivamente. O esquema rimático é aaab
em todas as estrofes pelo que a rima é emparelhada, havendo igualmente um verso
solto em cada quadra.
Neste poema encontram-se
presentes alguns aspetos românticos: a superioridade e a atração fatal da
mulher (sereia), a ligação à poesia popular e a acentuação da teatralidade do
discurso.
Em conclusão, esta
composição poética de Garrett é notavelmente marcada pelo Romantismo do qual o
poeta foi um exemplar seguidor, tratando-se este poema de um conselho de fuga e
de renúncia ao amor.
·
Conclusão
Tendo
escandalizado o público leitor da época, que no entanto o lia avidamente, é
comovente vermos como a alma de Garrett se desnuda em Folhas Caídas, não hesitando em se expor ao ridículo devido à
exploração do escândalo e da sensualidade.
Em Folhas Caídas, o seu último livro de
poemas, Garrett liberta-se definitivamente da formação arcádica e
compõe uma obra inovadora e moderna, tanto pelo conceito de amor que
nela canta, uma devastadora paixão sensual, como pela métrica, inspirada
na poesia popular, com predomínio da redondilha maior e menor,
como pela expressão liberta de peias e convenções.
Autora: Inês Vidal, 11º B
Prof. João Morais
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