Desde tempos imemoriais que a humanidade sentiu a necessidade de conhecer, de explorar, movida pela curiosidade, característica intrínseca ao ser humano que o levou a aventurar-se além das fronteiras físicas e mentais que até então conhecia. Isto permitiu-nos o convívio com outros povos, culturas e maneiras de pensar, promovendo uma abertura de horizontes à índole de cada um, possibilitando o conhecimento do outro e de nós mesmos.
É inegável que a viagem promove o enriquecimento pessoal do indivíduo, pois, mais do que mera visita a um país, mais ou menos longínquo, quando o coloca em confronto com tradições antagónicas à sua, quando o coloca perante a diferença, leva-o a confrontar-se com essa diferença para compreender o outro. Viajar até à Índia, por exemplo, pode significar sentir intensamente os cheiros, os paladares, mas também destruir visões idealizadas quanto à serenidade deste mesmo país e abrir a mente a uma nova realidade para melhor compreendermos o outro. Esta abertura de horizontes também deixa marcas perenes nos viajantes que se confrontam com estas realidades vividas em países como a Índia. Por exemplo, Angelina Jolie, ao visitar o Camboja e ao ser colocada em confronto com a dura realidade deste país asiático, decidiu adotar o seu primeiro filho e contactar o ACNUR, do qual é atualmente embaixadora – a integração dessa realidade diferente humanizou-a, levou-a a atuar afetiva e socialmente.
Para além disso, a viagem é, talvez, das poucas oportunidades que nos concedemos para que o inesperado entre nas nossas vidas, pois não há muitas vezes preparação possível para o embate com novas culturas e para o encontro com outros povos. Estamos habituados ao nosso quotidiano e poucas vezes somos surpreendidos com o inesperado, mas, quando viajamos, o nosso destino será sempre desconhecido que primeiro nos surpreende, mas que, com o passar do tempo, nos mostra um pouco do que somos. Por exemplo, chegar a uma cidade desconhecida pela primeira vez provoca algum desconforto, pouco a pouco substituído pela sensação de descoberta. A primeira impressão que este novo espaço provoca nunca se dissipará e é algo que acrescentamos àquilo que somos. Vejamos o caso dos nossos concidadãos que, um dia, pela força das circunstâncias tão adversas como a precariedade da vida, tiveram de ir à aventura para outros lugares, muitas vezes noutros continentes, trabalhar e integrar toda uma cultura e rotinas, que, apesar de diferentes, foram por eles assimiladas. Quem não acredita na capacidade dos portugueses de se aculturarem e acomodarem de modo harmonioso e autêntico a outros contextos e a outras culturas?
Por outro lado, ainda que a viagem física permita enriquecer o ser humano a vários níveis, viajar é, nos dias de hoje, infelizmente, quase um luxo, o qual é acessível apenas a uma minoria da população. É, também, altamente redutor considerar que apenas a viagem física permite um pleno conhecimento do outro e até de nós próprios. A emoção despertada no viajante ao chegar a uma cidade como Roma, por exemplo, passando por monumentos famosos, como o Coliseu, pode ser substituída, mesmo que parcialmente, pela leitura ou até pelo cinema, o que não deixa de ser outra forma de viajar. Os livros e os filmes, mais acessíveis, permitem, de facto, para além de conhecer novos povos, novas culturas, novos espaços, conhecer as emoções que novos lugares provocaram nos seus autores. Pensemos no cado de Puccini, que, apesar de nunca ter ido ao Oriente, compôs óperas com uma trama e contornos culturais como os do Japão, em Madama Butterfly (1), ou como os da China, em Turandot (2).
Em suma, é um facto que viajar enriquece o ser humano e promove tanto a descoberta do outro como também, pelas experiências que nos proporciona, a de nós próprios. Mais do que a viagem física por si só, importa, de facto, saber em que medida ela transforma e deixa marcas perenes no viajante.
(1) sugestão da autora:
https://www.youtube.com/watch?v=EgHOhLrN3eQ
(2) sugestão da autora:
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