O BlogBESSS...

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Blog ou Blogue, na grafia portuguesa, é uma abreviatura de Weblog. Estes sítios permitem a publicação e a constante atualização de artigos ou "posts", que são, em geral, organizados através de etiquetas (temas) e de forma cronológica inversa.


A possibilidade de os leitores e autores deixarem comentários, de forma sequencial e interativa, corresponde à natureza essencial dos blogues
e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


Colabore nos Projetos "Autor do Mês..." (Para saber como colaborar deverá ler a mensagem de 20 de fevereiro de 2009) e "Leituras Soltas..."
(Leia a mensagem de 10 de abril de 2009).


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BlogBESSS e as indicações de "Como Comentar.." nas mensagens de 10 de fevereiro de 2009.


A Biblioteca Escolar da ESSS

PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Análise d' «O guardador de Rebanhos», de Alberto Caeiro - Dois Cenários de Resposta






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   Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Poema Primeiro de Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro

Faz uma análise do texto transcrito, atendendo aos seguintes tópicos:

- significado de «rebanhos», tendo em conta a associação com o nome do livro de que o poema foi        extraído;
- identificação eu-pastor enquanto ponto de partida para uma identificação mais vasta com a natureza;
- desejo de abolição da consciência;
- vida comandada pelo primado das sensações;
- significado da saudação aos leitores;
- campos lexicais dominantes;
- conceito de poeta;
- simplicidade lexical e sintática;
- a enumeração, a comparação e a personificação;
- estrofe, métrica, rima.


Cenários de resposta

A)
                                                 Autora: Teresa Martins Abrantes, 12ºA
                                                 Prof. João Morais

“Eu nunca guardei rebanhos” corresponde ao primeiro poema da obra Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, tendo sido pela primeira vez publicada em 1925, nas 4ª e 5ª edições da revista Athena, à exceção do oitavo poema. Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, destaca-se não apenas pela espontaneidade e simplicidade ao nível da escrita, mas também pela valorização da utilização das sensações como autêntica forma de aceder à realidade e pela renúncia do recurso da razão.

O primeiro verso que dá nome ao poema (“Eu nunca guardei rebanhos” – v.1) apresenta, desde já, um certo antagonismo relativamente ao nome da obra que o integra. Apesar desta controvérsia, o sujeito poético acaba por esclarecer o leitor, afirmando que, no sentido literal, não guarda rebanhos. Porém, o facto de se assumir como defensor de uma doutrina que dirige e tenta seguir impreterivelmente é que lhe confere o título de pastor (vv.2 e 3), cuja função é guardar os seus “rebanhos”. Também esta palavra surge em sentido metafórico. Através do quiasmo lexical presente nos versos 45 e 46 (“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias / Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho”) conseguimos verificar a relação existente entre as palavras “rebanho” e “ideias”, resumindo-se esta última ao pensamento do sujeito poético que se cinge às suas impressões sensoriais.

O sujeito poético identifica-se como pastor por metáfora logo desde o início do poema (“Minha alma é como um pastor” – v.2), pois, tal como um guardador de rebanhos, dispõe de um movimento deambulatório (“E anda pela mão das Estações” – v.5), que lhe permite gozar ao máximo as sensações e adquirir a realidade do meio que o rodeia (“A seguir e a olhar” – v.6). Assim, como fator que estimula continuamente o sujeito poético, a natureza é percecionada na sua íntegra estando em plena harmonia e comunhão com ele (“Toda a paz da Natureza sem gente/ Vem sentar-se a meu lado.” – vv.7 e 8). Porém, a própria natureza pode causar um certo desconsolo ao sujeito poético quando põe em causa a fruição das sensações (“Mas eu fico triste como um pôr do sol” – v.9). O anoitecer é, por isso, interpretado negativamente, pois impede a assimilação do real na sua integridade (“Quando esfria no fundo da planície/ E se sente a noite entrada” – vv. 11 e 12).

Tal como a noite impede o primado das sensações, para o sujeito poético também o exercício da razão transfigura o que é real e verdadeiro, impossibilitando-o de alcançar a felicidade (“Os meus pensamentos são contentes/ Só tenho pena de saber que eles são contentes,” – vv.21 e 22). Assim, nas terceira e quarta estrofes, o sujeito poético exprime o desejo de abolição da consciência, elemento que limita a ação das sensações em reduzir o abstrato ao concreto e verdadeiro, elemento que simboliza o próprio abstrato e interfere com a relação de harmonia estabelecida entre o sujeito poético e o meio que o rodeia (“Pensar incomoda com andar à chuva/ Quando o vento cresce e parece que chove mais” – vv. 26 e 27).

Este desejo de abolição da razão está em conformidade com a valorização das sensações por parte do sujeito poético. Desta forma, a sua vida é comandada pelo primado das sensações que o permitem viver em sintonia consigo mesmo e com a natureza, gozando de todos os seus sentidos para melhor apreender o que o rodeia (“E corre um silêncio pela erva fora” – v.38; “Sinto um cajado nas mãos/ E vejo um recorte de mim” – vv.42 e 43). Por este motivo, ao longo de todo o poema surgem frequentemente palavras de dois campos lexicais dominantes: o dos sentidos (“olhar” – v.6; “sinto” – v.36) e o da natureza (“Natureza” – v.7; “flores” – v.18; “cordeirinho” – v. 32; “árvore antiga” – v.61).

Na última estrofe do poema, o poeta saúda os leitores de forma espontânea e humilde transmitindo-lhes um gesto de simplicidade (“Saúdo todos os que me lerem/ Tirando-lhes o chapéu largo” – vv. 49 e 50), algo que só pode ser adquirido através da vivência das sensações. Deste modo, convida-os a aderir à sua doutrina, a usufruir, enquanto leem os seus versos, das impressões sensitivas e a deixar de lado a razão (“Saúdo-os e desejo-lhes sol/ E chuva, quando a chuva é precisa,” – vv. 53 e 54).

Apesar de se consciencializar do facto de ser poeta, para o sujeito poético tal nunca foi uma ambição (“Não tenho ambições nem desejos./ Ser poeta não é uma ambição minha” – vv28 e 29), mas, sim, algo que resultou da urgência da expressão dos seus sentidos. Este decorrer natural da vida concorre para a ideia de espontaneidade e simplicidade, destacando um paganismo que é intrínseco ao próprio sujeito poético.

Através de alguns recursos expressivos, o sujeito poético vai revelando a sua mundividência. Logo desde no início do poema, ele compara a sua alma à de um pastor, atribuindo-lhe a liberdade e a simplicidade que a caracterizam (“Minha alma é como um pastor” - v.3). Também utiliza a comparação para descrever como perceciona a utilização da razão comparando-a à desagradável sensação de andar à chuva (“Pensar incomoda como andar à chuva” – v.26). A personificação também é um recurso bastante utilizado, pois transmite o desejo do sujeito poético de estar mais próximo da natureza e de a sentir na sua totalidade. Assim, expressa vontade em ser “cordeirinho” ou até mesmo “o rebanho todo” (vv. 31 – 35). Também a enumeração se apresenta como estruturante surgindo fundamentalmente na sétima estrofe, em que o sujeito poético descreve o modo como se visualiza e o procedimento de elaboração dos seus versos simples, despojados de abstrações (“Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,/ Sinto um cajado nas mãos/ E vejo um recorte de mim” – v.41 – 43).

Como é característico da escrita de Alberto Caeiro, conseguimos verificar a utilização de um léxico simples e espontâneo integrado em estruturas frásicas e sintáticas também sem grande complexidade. Relativamente ainda à análise formal do poema, pode-se afirmar que há uma certa irregularidade quanto à estrutura estrófica e versificatória, sendo a métrica também variável. Desta forma, o poema apresenta-se num tom meramente discursivo e de ritmo moderado em que se faz perpetuar a descrição do ato de sentir.

Em suma, este poema destaca-se pela ênfase que o sujeito poético confere ao primado das emoções, única forma de aceder à verdade, e ao seu desejo de supressão do uso da razão, elemento que limita a fruição dos sentidos na sua plenitude e impede a relação de harmonia e tranquilidade estabelecida entre o sujeito poético e a natureza. Assim, com um discurso essencialmente descritivo, simples e espontâneo, o sujeito poético descreve o que apreende do meio que o rodeia, como se perceciona a si mesmo, defendendo, ao longo do poema, a doutrina que dirige e assenta na valorização dos sentidos.

B)

                                                                   Autora: Maria Inês Vidal, 12ºB
                                                                   Prof. João Morais



«Eu nunca guardei rebanhos» é o primeiro de quarenta e nove poemas que constituem a obra O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa. O vocábulo “rebanhos” encontra-se presente neste poema e no nome do livro de que o mesmo foi extraído. A palavra “rebanhos” aparece como uma metáfora de ideias, pois são as ideias que o sujeito poético vê ao olhar para o rebanho (“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias”). Por outro lado, este vocábulo serve também para representar a multiplicação dos sentidos do eu poético na proporção dos objetos em que incidem os seus sentidos. 

Nesta composição poética, o sujeito lírico começa por visualizar-se a si mesmo, em termos metafóricos, como um pastor (“Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se os guardasse.”), reduzindo os seus pensamentos àquilo que é concreto e procurando estabelecer uma relação de comunhão e de harmonia com a natureza (“Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações”). De pastor, o sujeito poético tem o deambulismo (“Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos”), o andar constantemente sem destino, observando o que o rodeia: a variedade inexaurível da natureza, com o espírito concentrado numa atividade suprema: olhar (“A seguir e a olhar”). 

De facto, o pastor simboliza a solidão e o pensamento contemplativo: está sozinho na natureza e ocupa os seus dias a vaguear com o seu rebanho, sem perturbar a natureza e alimentando-se do que ela dá. Deste modo, o eu poético considera-se um pastor, visto que incorpora em si as qualidades do mesmo, mas não é limitado pela vida que um pastor leva, isto é, ele serve-se da arte do pastor para atingir um estado contemplativo. Para além disso, a intimidade que o sujeito lírico manifesta com a natureza (“E anda pela mão das Estações”) e a grande comunhão entre ambos, que resulta de ele se considerar um pastor, compaginam-se com a ingenuidade e a simplicidade que se representam no poema (“Toda a paz da Natureza sem gente / Vem sentar-se a meu lado.”). 

O poema situa-nos, portanto, e desde o princípio, nos domínios da metáfora: o pastor-poeta, o rebanho-ideias. De seguida, na terceira e quarta estrofes, o sujeito poético procura negar a utilidade ou valor do pensamento, construindo uma antifilosofia. Este seu desejo de abolição da consciência constitui a via para alcançar a paz e a felicidade. Por esta razão, o poeta lamenta não que os seus pensamentos ou sentimentos sejam contentes (vv.23-24), mas sim saber que eles o são, pois sabê-lo implica desde logo conhecimento, o qual advém do ato de pensar (“Os meus pensamentos são contentes. / Só tenho pena de saber que eles são contentes”). Se não tivesse este conhecimento, seria absolutamente feliz (“Em vez de serem contentes e tristes, /Seriam alegres e contentes”). Assim, é paradoxalmente “contente” e “triste”, e a tristeza provém da consciência de saber (vv.23-25). 

Desta forma, verifica-se neste poema o regresso da dor de pensar, já abordada pelo ortónimo. O incómodo que o ato de pensar acarreta é reforçado na comparação “Pensar incomoda como andar à chuva”. Pensar é, segundo o sujeito lírico, como andar à chuva: quanto mais chove, mais nos é difícil avançar normalmente. De modo semelhante, quanto mais pensamos, mais difícil é viver normalmente. Para o sujeito poético, ser feliz é ser guiado pelas sensações do momento e o pensar provoca tristeza e desconforto, como a situação descrita nos versos anteriormente enunciados. 

Os pensamentos do sujeito poético reduzem-se àquilo que é concreto, àquilo que ele percepciona através dos sentidos. Por esta razão, o eu poético é sensacionista e a sua vida é, deste modo, comandada pelo primado das sensações. É através do exercício dos sentidos que ele toma conhecimento da verdade e reduz o abstracto ao concreto (vv.14-15). 

Nesta composição poética, o sujeito lírico tem a noção de que é poeta, mas, para ele ser poeta, nunca foi uma ambição (“Ser poeta não é uma ambição minha”), apenas constitui a sua forma de estar sozinho com as suas ideias, num estado contemplativo e de autorreflexão (“É a minha maneira de estar sozinho.”). Na sétima estrofe estão patentes, através de uma enumeração de ações, outras características do eu poético enquanto poeta (vv.41-43). 

Na oitava estrofe do poema, o sujeito lírico saúda todos os seus leitores de forma gentil e humilde como um campesino (“Saúdo todos os que me lerem, / Tirando-lhes o chapéu largo”). Saúda-os, sugerindo-lhes tudo quanto é simples e objetivo, pacífico e suave, ingénuo e natural – o sol, a chuva, a casa, a janela aberta, a cadeira predileta, a árvore antiga, a criança despreocupada – proporcionando-lhes, assim, uma leitura que se configura com o exercício espontâneo dos sentidos. 

Relativamente à forma, o sujeito poético recorre ao verso solto, verificando-se a inexistência tanto de isomorfismo como de isometrismo. Isto concorre para uma maior simplicidade e naturalidade no poema. De referir ainda o vocabulário e sintaxe simples, sem grande elaboração e o estilo coloquial, que compaginam com a educação que Caeiro recebeu. Nesta composição poética, verifica-se a presença de dois campos lexicais dominantes: a natureza e os sentidos, valores sempre presentes na poesia deste heterónimo de Fernando Pessoa. É de destacar ainda o ritmo prosaico patente, ritmo moderado como um deslizar vagaroso e contínuo, que faz com que os versos deslizem tranquilos perante o nosso olhar interior, sem paragens, sem interrupções. 

A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, a personificação da natureza (v.5, vv.7-8) e as comparações (v.3, v.9, v.13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o eu poético estabelece com a natureza. 

Em conclusão, neste poema, o sujeito poético, não é um pastor no sentido literal da palavra. Ele possui uma alma de pastor, ou seja, é um pastor na sua essência. A contemplação da natureza, da beleza primordial, leva-o a sentir a realidade de forma intensa, num modo similar ao da pastorícia que reúne a solidão e a contemplação. Alberto Caeiro, poeta bucólico e sensacionista, escreve e pensa versos de forma concomitante, relacionando realidades contrastantes, traços estes que formam a base da originalidade e do ineditismo da sua poética.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Análise d' «Ó sino da minha aldeia», de Fernando Pessoa

     
     Ó sino da minha aldeia,
     Dolente na tarde calma,
     Cada tua badalada
     Soa dentro da minha alma.

 5   E é tão lento o teu soar,
     Tão como triste da vida,
     Que já a primeira pancada
     Tem o som de repetida.

      Por mais que me tanjas perto
 10 Quando passo, sempre errante,
     És para mim como um sonho.
     Soas-me na alma distante.

    A cada pancada tua
 15 Vibrante no céu aberto,
     Sinto mais longe o passado,
     Sinto a saudade mais perto.

                                           Fernando Pessoa

Faz uma análise do texto transcrito, atendendo aos seguintes tópicos:
- tema e assunto;
- efeito exercido pelo toque do sino no sujeito poético;
- sentido dos versos 5 a 8;
- recursos expressivos nos versos 1-2, 11 e 15-16;
- reatualização da poesia tradicional.


Em primeiro lugar, neste poema, cujo tema é a nostalgia de infância, o sujeito poético, ser errante (“sempre errante”), recorda o passado (“Sinto mais longe o passado”), tempo de felicidade como um bem perdido, encontrando apenas conforto e sentido para a vida no tempo da infância.

Logo no primeiro verso, o sujeito lírico interpela «o sino da [sua] aldeia», com recurso à apóstrofe (“Ó sino”), a qual concorre para uma maior aproximação entre o eu lírico e o sino a quem este se dirige. O toque do sino estimula a memória do sujeito poético (v.4), no sentido em que o faz recordar a sua infância, passado distante que se associa a um sonho (vv.11-12). É um eco do passado que, longe de alegrar o sujeito lírico, desperta nele a saudade de um tempo irrecuperável (vv.15-16). Os adjetivos "Dolente" e "calma" (v.2) remetem para a durabilidade do som, que não se apaga na memória do poeta.

Convém igualmente destacar, ainda na primeira estrofe, o simbolismo patente no vocábulo “aldeia” (v.1). A aldeia poderá simbolizar neste poema o espaço da infância do sujeito lírico. Surge como um espaço de intimidade, metáfora da interioridade do poeta. Nesta estrofe encontra-se igualmente presente uma hipálage (“Ó sino da minha aldeia/ Dolente […] ”), uma vez que “Dolente” se refere ao sujeito lírico, que, de facto, sofre, e não ao sino. Esta figura conota essa proximidade, essa intimidade duma memória que se reativa e que produz saudade.

Na segunda estrofe, o sujeito poético pretende mostrar o impacte que o sino, símbolo da dolorosa passagem do tempo, tem no seu estado de espírito. Começa por afirmar que as memórias de um passado saudoso assolam a sua alma tão lentamente como a tristeza da vida (vv.5-6), comparando, deste modo, a lentidão do soar do sino com o seu próprio estado de espírito nostálgico. Para além disso, à medida que o sino toca, acentua-se no sujeito poético a saudade de tempos passados e “ […] a primeira pancada/ Tem o som de repetida”, pois soa tanto no espaço exterior como também no espaço interior, na alma do poeta. Esse seu ecoar instaura no sujeito poético uma certa melancolia e tristeza.

Na terceira estrofe, o sujeito lírico compara o toque do sino a um sonho (“És para mim como um sonho.”). Ele exerce esta comparação porque aquele toque remete-o para um passado distante, o qual nunca mais vai voltar, fazendo com que essas memórias pareçam um sonho, despertando nele a nostalgia de uma infância perdida.

Na quarta e última estrofe, o sujeito poético recorre à antítese "Sinto mais longe o passado,/ Sinto a saudade mais perto", apercebendo-se que a inconsciência e a felicidade que experimentou na sua infância não poderão ser revividas. São despertados nele sentimentos de saudade do bem perdido, do único momento de felicidade plena, do tempo onírico que é a infância. A anáfora do vocábulo “Sinto” (vv.15-16) também concorre para evidenciar a frustração e a nostalgia do sujeito poético.

Relativamente à forma, o poema é composto por quatro quadras, nas quais todos os versos apresentam sete sílabas métricas (a redondilha, maior neste caso, é um metro popular), verificando-se, a existência de isometrismo. Nesta composição poética são empregados um léxico e uma sintaxe simples. Além das características já enunciadas, este poema tem uma grande componente de musicalidade devido ao uso da aliteração (“Sinto mais longe o passado/ Sinto a saudade […] “) e do ritmo muito marcado – predominantemente alternado com o som e a pausa decorrentes das badaladas. Deste modo, é possível verificar que se encontram no mesmo reatualizadas as características da poesia tradicional, entre as quais, o predomínio da quadra, a sintaxe simples, o ritmo melodioso, o verso curto (sete sílabas métricas) e o léxico acessível.

Em conclusão, nesta composição poética de Fernando Pessoa, publicada pela primeira vez em 1914 na revista A Renascença, o sujeito poético dirige as suas palavras, sempre e unicamente, ao sino, mas sem esperar ou pedir nada dele. O sino é a causa imediata do seu falso diálogo, no qual enuncia, em tom melancólico, a sua condição de eterno errante (v.10) para quem tudo é simultaneamente perto e distante (vv.15-16), desde o passado irrecuperável até ao soar do sino no presente.

Autora: Maria Inês Vidal, nº16 - 12ºB 
Prof. João Morais

sábado, 13 de outubro de 2018

Apreciação crítica da obra War, de Paula Rego (2003)


Tal como nos é sugerido pelo nome da obra, War, de Paula Rego, pertencente ao acervo da Tate, em Londres, esta pintura, que utiliza o pastel, apresenta uma transfiguração da dura realidade e do ambiente de terror que se faz sentir na guerra. 

De acordo com o seu próprio testemunho, a autora ter-se-á inspirado numa fotografia publicada no jornal The Guardian, no início da guerra do Iraque, em março de 2003.

Neste quadro destacam-se, desde logo, duas figuras femininas com cabeças de coelho, que usam vestidos. Uma destas encontra-se ensanguentada e em evidente sofrimento ao colo da outra. Ambas configuram, possivelmente, a situação de fuga e o desespero do cenário de guerra aí retratado. O facto de a pintora recorrer à representação de figuras animalescas e híbridas em vez de humanos confere e estes o caráter animalesco presente na guerra para além de concorrer para a natureza grotesca da obra – e do próprio homem.

No resto da obra é possível observarem-se outras situações de desumanidade características da guerra como as violações, simbolizadas pela cegonha com as asas estendidas e com uma garra dentro do vestido de outra figura com cabeça de coelho no canto inferior esquerdo da composição, e, aparece, de igual modo, o símbolo de coragem representado numa mulher que carrega um pau com um ar autoritário e destemido. Para além disto, testemunhamos também na parte superior da obra, por detrás das personagens centrais, um inseto gigante, que parece ser uma formiga a lutar com um cão, uma figura feminina a abraçar um pelicano e, finalmente, um gato no canto oposto da obra, simbolizando os comportamentos de alheamento e indiferença dos homens relativamente aos cenários de guerra no mundo.

O fundo de War encontra-se dividido em três blocos de cor: um tom castanho amarelado no primeiro, castanho terra no segundo e no terceiro um azul escuro sombrio com uma pluma de preto, intensificando sentimentos como o sofrimento e o medo. Estas bandas de cor contrastam com as figuras representadas, as quais são bastante mais trabalhadas.

Em suma, a autora da obra Paula Rego foi capaz de retratar de forma caricata e autêntica a cruel realidade da guerra bem como o sofrimento das vítimas e o caráter desumano do Homem, ao agir de forma irracional como os animais. Através da representação do absurdo, a pintora consegue representar a violência e a angústia, que tanto caracterizam os cenários de guerra, usando o imaginário que decorre de memórias da infância, o que corrobora o lado monstruoso do homem – vítima mas também autor (lobo) da mesma guerra (e do próprio homem, seu semelhante).




Autora: Maria Inês Antunes, nº15 - 12ºB
Prof. João Morais