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3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


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PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Análise d' «O guardador de Rebanhos», de Alberto Caeiro - Dois Cenários de Resposta






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   Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Poema Primeiro de Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro

Faz uma análise do texto transcrito, atendendo aos seguintes tópicos:

- significado de «rebanhos», tendo em conta a associação com o nome do livro de que o poema foi        extraído;
- identificação eu-pastor enquanto ponto de partida para uma identificação mais vasta com a natureza;
- desejo de abolição da consciência;
- vida comandada pelo primado das sensações;
- significado da saudação aos leitores;
- campos lexicais dominantes;
- conceito de poeta;
- simplicidade lexical e sintática;
- a enumeração, a comparação e a personificação;
- estrofe, métrica, rima.


Cenários de resposta

A)
                                                 Autora: Teresa Martins Abrantes, 12ºA
                                                 Prof. João Morais

“Eu nunca guardei rebanhos” corresponde ao primeiro poema da obra Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, tendo sido pela primeira vez publicada em 1925, nas 4ª e 5ª edições da revista Athena, à exceção do oitavo poema. Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, destaca-se não apenas pela espontaneidade e simplicidade ao nível da escrita, mas também pela valorização da utilização das sensações como autêntica forma de aceder à realidade e pela renúncia do recurso da razão.

O primeiro verso que dá nome ao poema (“Eu nunca guardei rebanhos” – v.1) apresenta, desde já, um certo antagonismo relativamente ao nome da obra que o integra. Apesar desta controvérsia, o sujeito poético acaba por esclarecer o leitor, afirmando que, no sentido literal, não guarda rebanhos. Porém, o facto de se assumir como defensor de uma doutrina que dirige e tenta seguir impreterivelmente é que lhe confere o título de pastor (vv.2 e 3), cuja função é guardar os seus “rebanhos”. Também esta palavra surge em sentido metafórico. Através do quiasmo lexical presente nos versos 45 e 46 (“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias / Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho”) conseguimos verificar a relação existente entre as palavras “rebanho” e “ideias”, resumindo-se esta última ao pensamento do sujeito poético que se cinge às suas impressões sensoriais.

O sujeito poético identifica-se como pastor por metáfora logo desde o início do poema (“Minha alma é como um pastor” – v.2), pois, tal como um guardador de rebanhos, dispõe de um movimento deambulatório (“E anda pela mão das Estações” – v.5), que lhe permite gozar ao máximo as sensações e adquirir a realidade do meio que o rodeia (“A seguir e a olhar” – v.6). Assim, como fator que estimula continuamente o sujeito poético, a natureza é percecionada na sua íntegra estando em plena harmonia e comunhão com ele (“Toda a paz da Natureza sem gente/ Vem sentar-se a meu lado.” – vv.7 e 8). Porém, a própria natureza pode causar um certo desconsolo ao sujeito poético quando põe em causa a fruição das sensações (“Mas eu fico triste como um pôr do sol” – v.9). O anoitecer é, por isso, interpretado negativamente, pois impede a assimilação do real na sua integridade (“Quando esfria no fundo da planície/ E se sente a noite entrada” – vv. 11 e 12).

Tal como a noite impede o primado das sensações, para o sujeito poético também o exercício da razão transfigura o que é real e verdadeiro, impossibilitando-o de alcançar a felicidade (“Os meus pensamentos são contentes/ Só tenho pena de saber que eles são contentes,” – vv.21 e 22). Assim, nas terceira e quarta estrofes, o sujeito poético exprime o desejo de abolição da consciência, elemento que limita a ação das sensações em reduzir o abstrato ao concreto e verdadeiro, elemento que simboliza o próprio abstrato e interfere com a relação de harmonia estabelecida entre o sujeito poético e o meio que o rodeia (“Pensar incomoda com andar à chuva/ Quando o vento cresce e parece que chove mais” – vv. 26 e 27).

Este desejo de abolição da razão está em conformidade com a valorização das sensações por parte do sujeito poético. Desta forma, a sua vida é comandada pelo primado das sensações que o permitem viver em sintonia consigo mesmo e com a natureza, gozando de todos os seus sentidos para melhor apreender o que o rodeia (“E corre um silêncio pela erva fora” – v.38; “Sinto um cajado nas mãos/ E vejo um recorte de mim” – vv.42 e 43). Por este motivo, ao longo de todo o poema surgem frequentemente palavras de dois campos lexicais dominantes: o dos sentidos (“olhar” – v.6; “sinto” – v.36) e o da natureza (“Natureza” – v.7; “flores” – v.18; “cordeirinho” – v. 32; “árvore antiga” – v.61).

Na última estrofe do poema, o poeta saúda os leitores de forma espontânea e humilde transmitindo-lhes um gesto de simplicidade (“Saúdo todos os que me lerem/ Tirando-lhes o chapéu largo” – vv. 49 e 50), algo que só pode ser adquirido através da vivência das sensações. Deste modo, convida-os a aderir à sua doutrina, a usufruir, enquanto leem os seus versos, das impressões sensitivas e a deixar de lado a razão (“Saúdo-os e desejo-lhes sol/ E chuva, quando a chuva é precisa,” – vv. 53 e 54).

Apesar de se consciencializar do facto de ser poeta, para o sujeito poético tal nunca foi uma ambição (“Não tenho ambições nem desejos./ Ser poeta não é uma ambição minha” – vv28 e 29), mas, sim, algo que resultou da urgência da expressão dos seus sentidos. Este decorrer natural da vida concorre para a ideia de espontaneidade e simplicidade, destacando um paganismo que é intrínseco ao próprio sujeito poético.

Através de alguns recursos expressivos, o sujeito poético vai revelando a sua mundividência. Logo desde no início do poema, ele compara a sua alma à de um pastor, atribuindo-lhe a liberdade e a simplicidade que a caracterizam (“Minha alma é como um pastor” - v.3). Também utiliza a comparação para descrever como perceciona a utilização da razão comparando-a à desagradável sensação de andar à chuva (“Pensar incomoda como andar à chuva” – v.26). A personificação também é um recurso bastante utilizado, pois transmite o desejo do sujeito poético de estar mais próximo da natureza e de a sentir na sua totalidade. Assim, expressa vontade em ser “cordeirinho” ou até mesmo “o rebanho todo” (vv. 31 – 35). Também a enumeração se apresenta como estruturante surgindo fundamentalmente na sétima estrofe, em que o sujeito poético descreve o modo como se visualiza e o procedimento de elaboração dos seus versos simples, despojados de abstrações (“Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,/ Sinto um cajado nas mãos/ E vejo um recorte de mim” – v.41 – 43).

Como é característico da escrita de Alberto Caeiro, conseguimos verificar a utilização de um léxico simples e espontâneo integrado em estruturas frásicas e sintáticas também sem grande complexidade. Relativamente ainda à análise formal do poema, pode-se afirmar que há uma certa irregularidade quanto à estrutura estrófica e versificatória, sendo a métrica também variável. Desta forma, o poema apresenta-se num tom meramente discursivo e de ritmo moderado em que se faz perpetuar a descrição do ato de sentir.

Em suma, este poema destaca-se pela ênfase que o sujeito poético confere ao primado das emoções, única forma de aceder à verdade, e ao seu desejo de supressão do uso da razão, elemento que limita a fruição dos sentidos na sua plenitude e impede a relação de harmonia e tranquilidade estabelecida entre o sujeito poético e a natureza. Assim, com um discurso essencialmente descritivo, simples e espontâneo, o sujeito poético descreve o que apreende do meio que o rodeia, como se perceciona a si mesmo, defendendo, ao longo do poema, a doutrina que dirige e assenta na valorização dos sentidos.

B)

                                                                   Autora: Maria Inês Vidal, 12ºB
                                                                   Prof. João Morais



«Eu nunca guardei rebanhos» é o primeiro de quarenta e nove poemas que constituem a obra O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa. O vocábulo “rebanhos” encontra-se presente neste poema e no nome do livro de que o mesmo foi extraído. A palavra “rebanhos” aparece como uma metáfora de ideias, pois são as ideias que o sujeito poético vê ao olhar para o rebanho (“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias”). Por outro lado, este vocábulo serve também para representar a multiplicação dos sentidos do eu poético na proporção dos objetos em que incidem os seus sentidos. 

Nesta composição poética, o sujeito lírico começa por visualizar-se a si mesmo, em termos metafóricos, como um pastor (“Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se os guardasse.”), reduzindo os seus pensamentos àquilo que é concreto e procurando estabelecer uma relação de comunhão e de harmonia com a natureza (“Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações”). De pastor, o sujeito poético tem o deambulismo (“Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos”), o andar constantemente sem destino, observando o que o rodeia: a variedade inexaurível da natureza, com o espírito concentrado numa atividade suprema: olhar (“A seguir e a olhar”). 

De facto, o pastor simboliza a solidão e o pensamento contemplativo: está sozinho na natureza e ocupa os seus dias a vaguear com o seu rebanho, sem perturbar a natureza e alimentando-se do que ela dá. Deste modo, o eu poético considera-se um pastor, visto que incorpora em si as qualidades do mesmo, mas não é limitado pela vida que um pastor leva, isto é, ele serve-se da arte do pastor para atingir um estado contemplativo. Para além disso, a intimidade que o sujeito lírico manifesta com a natureza (“E anda pela mão das Estações”) e a grande comunhão entre ambos, que resulta de ele se considerar um pastor, compaginam-se com a ingenuidade e a simplicidade que se representam no poema (“Toda a paz da Natureza sem gente / Vem sentar-se a meu lado.”). 

O poema situa-nos, portanto, e desde o princípio, nos domínios da metáfora: o pastor-poeta, o rebanho-ideias. De seguida, na terceira e quarta estrofes, o sujeito poético procura negar a utilidade ou valor do pensamento, construindo uma antifilosofia. Este seu desejo de abolição da consciência constitui a via para alcançar a paz e a felicidade. Por esta razão, o poeta lamenta não que os seus pensamentos ou sentimentos sejam contentes (vv.23-24), mas sim saber que eles o são, pois sabê-lo implica desde logo conhecimento, o qual advém do ato de pensar (“Os meus pensamentos são contentes. / Só tenho pena de saber que eles são contentes”). Se não tivesse este conhecimento, seria absolutamente feliz (“Em vez de serem contentes e tristes, /Seriam alegres e contentes”). Assim, é paradoxalmente “contente” e “triste”, e a tristeza provém da consciência de saber (vv.23-25). 

Desta forma, verifica-se neste poema o regresso da dor de pensar, já abordada pelo ortónimo. O incómodo que o ato de pensar acarreta é reforçado na comparação “Pensar incomoda como andar à chuva”. Pensar é, segundo o sujeito lírico, como andar à chuva: quanto mais chove, mais nos é difícil avançar normalmente. De modo semelhante, quanto mais pensamos, mais difícil é viver normalmente. Para o sujeito poético, ser feliz é ser guiado pelas sensações do momento e o pensar provoca tristeza e desconforto, como a situação descrita nos versos anteriormente enunciados. 

Os pensamentos do sujeito poético reduzem-se àquilo que é concreto, àquilo que ele percepciona através dos sentidos. Por esta razão, o eu poético é sensacionista e a sua vida é, deste modo, comandada pelo primado das sensações. É através do exercício dos sentidos que ele toma conhecimento da verdade e reduz o abstracto ao concreto (vv.14-15). 

Nesta composição poética, o sujeito lírico tem a noção de que é poeta, mas, para ele ser poeta, nunca foi uma ambição (“Ser poeta não é uma ambição minha”), apenas constitui a sua forma de estar sozinho com as suas ideias, num estado contemplativo e de autorreflexão (“É a minha maneira de estar sozinho.”). Na sétima estrofe estão patentes, através de uma enumeração de ações, outras características do eu poético enquanto poeta (vv.41-43). 

Na oitava estrofe do poema, o sujeito lírico saúda todos os seus leitores de forma gentil e humilde como um campesino (“Saúdo todos os que me lerem, / Tirando-lhes o chapéu largo”). Saúda-os, sugerindo-lhes tudo quanto é simples e objetivo, pacífico e suave, ingénuo e natural – o sol, a chuva, a casa, a janela aberta, a cadeira predileta, a árvore antiga, a criança despreocupada – proporcionando-lhes, assim, uma leitura que se configura com o exercício espontâneo dos sentidos. 

Relativamente à forma, o sujeito poético recorre ao verso solto, verificando-se a inexistência tanto de isomorfismo como de isometrismo. Isto concorre para uma maior simplicidade e naturalidade no poema. De referir ainda o vocabulário e sintaxe simples, sem grande elaboração e o estilo coloquial, que compaginam com a educação que Caeiro recebeu. Nesta composição poética, verifica-se a presença de dois campos lexicais dominantes: a natureza e os sentidos, valores sempre presentes na poesia deste heterónimo de Fernando Pessoa. É de destacar ainda o ritmo prosaico patente, ritmo moderado como um deslizar vagaroso e contínuo, que faz com que os versos deslizem tranquilos perante o nosso olhar interior, sem paragens, sem interrupções. 

A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, a personificação da natureza (v.5, vv.7-8) e as comparações (v.3, v.9, v.13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o eu poético estabelece com a natureza. 

Em conclusão, neste poema, o sujeito poético, não é um pastor no sentido literal da palavra. Ele possui uma alma de pastor, ou seja, é um pastor na sua essência. A contemplação da natureza, da beleza primordial, leva-o a sentir a realidade de forma intensa, num modo similar ao da pastorícia que reúne a solidão e a contemplação. Alberto Caeiro, poeta bucólico e sensacionista, escreve e pensa versos de forma concomitante, relacionando realidades contrastantes, traços estes que formam a base da originalidade e do ineditismo da sua poética.

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