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Blog ou Blogue, na grafia portuguesa, é uma abreviatura de Weblog. Estes sítios permitem a publicação e a constante atualização de artigos ou "posts", que são, em geral, organizados através de etiquetas (temas) e de forma cronológica inversa.


A possibilidade de os leitores e autores deixarem comentários, de forma sequencial e interativa, corresponde à natureza essencial dos blogues
e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


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(Leia a mensagem de 10 de abril de 2009).


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PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ricardo Reis: o poeta clássico


Correção do grupo III do teste do 12º B


Ricardo Reis: o poeta clássico 

Ricardo Reis é um dos três heterónimos de Fernando Pessoa que receberam especial destaque na sua carta a Adolfo Casais Monteiro a 13 de janeiro de 1935. Idealizado como homem moreno, baixo e seco de carnes, Ricardo Reis é médico e, apesar de ter nascido em 1887 no Porto, está desde 1919 no Brasil pelo facto de, devido aos seus ideais monárquicos, se ter expatriado espontaneamente. De estilo predominantemente neoclássico, a sua escrita assenta na herança greco-romana e é influenciada por Horácio, poeta latino que lhe serve de modelo. Reis assume-se como um latinista e semi-helenista, que é influenciado pelas teorias filosóficas epicurista e estoico, aderindo afincadamente ao culto da tranquilidade. 

Inspirado em Horácio, poeta romano do século I a. C., Ricardo Reis, como classicista genuíno, evidencia especial preferência pela ode. Sendo um género literário de índole greco-romana, de estilo particularmente elevado e solene, que pretende glorificar alguém ou algo, a ode é utilizada por Reis com o intuito de exaltar um programa de vida, o programa por ele defendido, que assenta na aceitação calma e tranquila da vida, sem que haja qualquer tipo de perturbação. 

Por ter estudado num colégio jesuíta antes de se formar em Medicina, Reis domina fortemente a cultura latina e aplica-a à grande maioria das suas obras. Assim, com uma linguagem culta, rigorosa e de saber erudito, e num estilo rebuscado e sentencioso, constrói persistentemente frases imperativas, forma de convidar a sua companheira intelectual a aderir ao seu programa de vida, e recorre a latinismos tanto a nível lexical (“E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro” – v. 29 in “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”) como a nível sintático, visível através do uso da anástrofe (“ Solene passa sobre a fértil terra” – v. 1; “Tal me alta na alma a lenta ideia voa” – v. 5 in “Solene passa sobre a fértil terra”). 

Na escrita de Reis é recorrente a alusão a elementos mitológicos que evidenciam a consciencialização de que o poeta tem da morte. Desta forma, a ideia da aceitação fatalista do destino e a referência aos deuses da antiguidade greco-romana constituem alguns dos aspetos por ele mais abordados. A convicção da efemeridade da vida é algo que assombra o sujeito poético. Defende, assim, que todos, até mesmo os deuses (“Dizer-te. A resposta/ Está além dos Deuses” – vv. 20 e 21 in “Segue o teu destino”), estão sujeitos a uma força maior, o destino, que surge como entidade deletéria que impede a vivência tranquila muito por ele desejada (“Sofro, Lídia, do medo do destino” – v.1 in “Sofro, Lídia, do medo do destino”). 

À semelhança dos poemas horacianos, também na escrita de Ricardo Reis conseguimos testemunhar a predominância de ideais epicuristas. A atitude de adesão ao mundo, a de viver conforme a natureza e a da racionalização das emoções são princípios em que assenta esta teoria filosófica, que tem como principal objetivo libertar o Homem do medo da morte. É então a consciencialização da efemeridade da vida que justifica a vivência dos prazeres brandos por parte do sujeito poético, que lhe proporciona uma experiência de vida tranquila baseada na ideia de gozar o presente ou carpe diem (“[...] Colhe/ O dia, porque és ele.” – vv.7 e 8 in “Uns, com os olhos postos no passado”) . Com o intuito de alcançar tal idealização, leva mesmo o conceito de paganismo ao extremo e, desprezando por completo as construções sociais, chega a tornar-se um ser associal (“E antes magnólias amo/ Que a glória e a virtude” – vv. 2 e 3 in “Prefiro rosas, meu amor, à pátria”). No entanto, apresenta-se como “epicurista triste”: tais ideais não passam de um meio para se autoconvencer de algo em que não acredita efetivamente. Vive por isso aterrorizado com o processo de envelhecimento, com a morte e com a tirania do fatum a que todos estão vulneráveis (“[...] indo/ Para a velhice como um dia entra/ No anoitecer” – vv. 10-12 in “Sofro, Lídia, do medo do destino”). 

Na grande maioria dos seus poemas é também visível a frequente recorrência ao tema da renúncia e do desapego como forma de promover o culto da ataraxia, a possibilidade de viver sem qualquer tipo de perturbação que possa culminar em sofrimento, para não comprometer uma vivência tranquila e feliz (“Segue o teu destino,/ Rega as tuas plantas,/ Rega as tuas rosas./ O resto é a sombra/ De árvores alheias.” vv. 1-5 in “Segue o teu destino”). Como forma de travar a sua vulnerabilidade face ao emprego das emoções, principais agentes causadores de inquietação, o sujeito poético refugia-se na razão, sendo esta o elemento essencial para a apreensão do real e para a aceitação serena do destino sem qualquer preconceito nem medo do que a ele está iminente (“Mas serenamente/ Imita o Olimpo/ No teu coração.” – vv. 21-23 in “Segue o teu destino”). 

Em suma, a poética de Ricardo Reis é amplamente influenciada pela cultura clássica de herança greco-romana. A preferência pela ode como forma de exaltar um programa de vida que se baseia na associação das duas teorias filosóficas de origem helenista, o epicurismo e o estoicismo, a prioridade conferida à vivência dos prazeres brandos da vida ou aurea mediocritas como forma a evitar qualquer tipo de exaltação que possa causar sofrimento, o afastamento das idealizações sociais por parte do sujeito poético e a renuncia à mudança da ordem do mundo são tudo características da escrita de Reis que corroboram o ideal clássico que a ele é inerente.

   Autora: Teresa Abrantes, 12ºA
    Prof. João Morais

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Ricardo Reis, o poeta clássico

Correção do grupo III do teste do 12º B

Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, cultiva um neoclassicismo neopagão, recorrendo à mitologia greco-latina, e considera a vida como um tempo efémero, sendo, assim, a morte iminente. 

Influenciado pela sua formação helénica e latina, Reis escreve odes inspiradas na doutrina epicurista de Horácio. As suas odes apresentam um estilo rigoroso e denso, com a preocupação de traduzir a ideia numa expressão perfeita. Através do uso desta estrutura poética, Reis procura a exaltação da vida, tempo do efémero (“No mesmo hausto/ Em que vivemos, morremos.” – vv.6-7 do poema Uns, com os olhos postos no passado). 

Nos seus poemas, recorre frequentemente a construções eruditas e latinizantes. A sintaxe clássica latina, com a inversão da ordem lógica das palavras através do uso da anástrofe (“Um sopro arrefecido” é o sujeito da frase deslocado para o final da estrofe em Solene passa sobre a fértil terra), favorece o ritmo das suas ideias disciplinadas. Para além disso, a vinculação do estilo culto de Reis é conseguida pela utilização de vocábulos muito eruditos, como óbolo (“E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,” – v.29 do poema Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio), aspeto que concorre para conferir latinidade à poesia. 

Ricardo Reis cultiva a mitologia greco-latina e a crença nos deuses antigos, enquanto força disciplinadora das nossas emoções e sentimentos. Este poeta clássico considera os deuses como um modelo de comportamento, o exemplo a seguir por todos os homens, pela razão de que não se questionam, “não se pensam”, aceitando a ordem do mundo. Os deuses não são mais do que seres mais perfeitos ou aperfeiçoados. O classicismo deste heterónimo encontra-se presente não só nas referências mitológicas (“ […] barqueiro sombrio” – refere-se a Caronte – v.29 do poema Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio), mas também nos temas que têm a ver com a cultura clássica latina: a efemeridade da vida e a iminência da morte. 

Deste modo, Reis é o heterónimo que projeta Pessoa para a Antiguidade Clássica. É o poeta que, à semelhança de Horácio, na Roma Antiga, se refugia na aparente felicidade pagã que lhe vela e esbate o desespero. A filosofia de vida de Ricardo Reis, inspirada no epicurismo, defende o prazer do momento, o carpe diem (“ […] Colhe/ O dia, porque és ele” – vv.7-8 do poema Uns, com os olhos postos no passado) como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. 

Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, Reis considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, isto é, a ataraxia. Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente a qualquer prazer dinâmico (“Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,” – v.13 do poema Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio), numa verdadeira ilusão de felicidade, conseguida pela renúncia e pela disciplina estoicas. Considera, portanto, que a verdadeira sabedoria de vida é viver de forma equilibrada e serena, “sem desassossegos grandes”. 

Assim, advogando o carpe diem, o prazer natural mas controlado, sem paixões violentas, tem plena consciência da brevidade de tudo, da passagem do tempo, da fragilidade da nossa condição e da inevitabilidade da morte. Por isso, considera importante saber viver os pequenos prazeres de forma desapegada, com equilíbrio e serenidade (“Grande e nobre é sempre/ Viver simplesmente.” – vv.12-13 do poema Segue o teu destino). 

Em suma, Reis é clássico no estilo, no rigor, no estoicismo, na adoção do paganismo, na crença nos deuses da mitologia clássica, no exercício da razão. Aceitar o mundo, a vida e aquilo que somos é para este heterónimo de Fernando Pessoa o único caminho para atingir a felicidade.

    Autora: Maria Inês Vidal, 12ºB
    Prof. João Morais

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Caeiro: das sensações à natureza e à dor de pensar no ortónimo


Segundo a carta de Fernando Pessoa a Casais Monteiro, a 13 de janeiro de 1935, Alberto Caeiro é uma das personagens fictícias arquitetadas e a quem foram atribuídas uma biografia, uma fisionomia e uma obra. Nos poemas de Caeiro, com uma escrita simples e espontânea, é visível a valorização máxima das sensações que o sujeito poético experimenta bem como a relação de harmonia que estabelece com a natureza. Estes ideais são transversais à grande maioria dos poemas deste heterónimo e surgem integrados numa doutrina que o sujeito poético dirige e tenta seguir impreterivelmente. 

Tal como sugere uma das mais conhecidas obras de Caeiro, O Guardador de Rebanhos, o sujeito poético declara-se pastor por metáfora (“Minha alma é como um pastor,/ Conhece o vento e o sol/ E anda pela mão das Estações/ A seguir e a olhar” – vv. 3-6 do Poema Primeiro de O Guardador de Rebanhos). Desta forma e à semelhança de um pastor, a relação que estabelece com a natureza é essencial para a uma existência serena e despojada de qualquer sofrimento, assim surgem repetidamente palavras do campo lexical da natureza (“O que é preciso é ser-se natural e calmo” – v. 14 do poema XXI de O Guardador de Rebanhos). 

Porém, esta comunhão entre o sujeito poético e a natureza só é passível de ser estabelecia através da supremacia das sensações. Estas é que conferem ao sujeito poético a capacidade de apreender na sua plenitude a realidade que o rodeia e experimentar a felicidade (“Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,/ Sei a verdade e sou feliz.” – vv. 13 e 14 do poema XXI de O Guardador de Rebanhos). Assim, o primado das sensações assume um papel central e fundamental para o bem-estar do sujeito poético resultando na vivência em sintonia com a natureza na sua variedade. 

Enquanto, na poesia de Fernando Pessoa ortónimo o sujeito poético se cinge ao exercício da razão e, por isso, experimenta uma angústia existencial, na poesia de Caeiro, ocorre o contrário. O sujeito poético goza somente das sensações perspectivando o aniquilamento total de todo tipo de pensamento, como forma de fuga à dor e ao sofrimento (“Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.” – v. 19 do poema “Dizes-me: és mais alguma cousa” da obra Poemas Inconjuntos). Deste modo, os seus pensamentos, tal como todas as abstrações que o invadem, reduzem-se às sensações, ou seja, ao uso axiomático dos sentidos (“E os meus pensamentos são todos sensações” – v. 3 do poema IX de O Guardador de Rebanhos). 

Em suma, como criador do Sensacionismo, Alberto Caeiro destaca, de forma inigualável, a supremacia das sensações, vivenciadas pelo sujeito poético e indissociáveis do bucolismo, característico nas suas obras. É, então, através do gozo das sensações que o sujeito poético apreende tudo o que o rodeia, que perceciona a realidade e vive em comunhão com a natureza, abandonado o exercício da razão de forma a evitar todo o tipo de sofrimento e a usufruir de uma tranquilidade que lhe é inerente.

Autora: Teresa Martins Abrantes (12º A)
Prof. João Morais

O pensar enquanto ato transversal na poética de pessoa ortónimo


Na obra de Pessoa ortónimo o poeta encontra-se num conflito constante entre o pensar e o sentir, pois ele é um ser que é racional e consciente, mas não consegue alcançar a felicidade nem o que idealiza. Assim, o pensar está presente nos textos com vários temas que o ortónimo explora. 

Quanto ao tema do fingimento artístico, o poeta diz que, para escrever poesia, tem de se utilizar a imaginação sendo o fingir algo obrigatório. Assim, o poeta finge dado que intelectualiza as emoções utilizando a Razão, tal como escreve em «Autopsicografia», deixando que sejam os leitores a sentir, como diz no poema «Isto», poema no qual o sujeito lírico leva mais longe a prevalência do pensar sobre o sentir: «Sentir? Sinta quem lê!». Sentir é um ato menor que ele despreza e recusa ter. 

Relativamente ao tema da dor de pensar, o uso excessivo e contínuo da sua inteligência leva-o a sofrer. No entanto, o pensar e a intelectualização dos sentimentos já é tão intrínseco que ele já não consegue sentir sem pensar, como diz em “Ela canta, pobre ceifeira”. Devido a esta infelicidade, o poeta deseja muitas vezes a inconsciência, pois vê que traz felicidade, mas não quer abdicar da sua consciência, como está ilustrado no poema “Ela canta, pobre ceifeira”. O exercício do pensar também concorre para a fragmentação do “eu”, como se mostra em “Gato que brincas na rua”, levando a que o poeta sinta dor: «Eu vejo-me e estou sem mim.». 

No que se prende com o tema do sonho e realidade, o poeta tenta fugir da realidade através do sonho, que se constrói utilizando a imaginação, mas, ao ter de se recorrer ao pensar para sonhar, o sonho desvirtua-se, como está explícito em “Não sei se é sonho, se realidade,”. Neste tema, também está presente a frustração que o sujeito lírico experimenta ao nunca conseguir concretizar aquilo que idealiza, como expõe em “Tudo o que faço ou medito”. 

Igualmente, nos textos cujo tema é a nostalgia da infância, o poeta diz que deseja voltar à sua infância uma vez que nesse tempo era feliz, pois era inconsciente e inocente, como refere em “Não sei, ama, onde era;”. Agora, na idade adulta, só por pensar sofre, como nos mostra em “Quando era jovem, quando tinha pena”. Assim, vive triste porque sabe que a infância está irremediavelmente perdida e, com ela, a felicidade, como nos expõe em “Maravilha-te, memória”. 

Concluindo, o pensar é estruturante na poesia do ortónimo sendo a razão para a sua dor. Através da razão, o poeta percebe que não se conhece, que é um ser fragmentado logo resta-lhe sofrer. Se começa por ser um meio para se conhecer a si e o mundo, o pensar acaba por constituir ironicamente a razão da angústia existencial, que igualmente é transversal à poética de Pessoa ortónimo.

Autora: André Cotrim
Prof. João Morais

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Análise d' «O guardador de Rebanhos», de Alberto Caeiro - Dois Cenários de Resposta






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   Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Poema Primeiro de Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro

Faz uma análise do texto transcrito, atendendo aos seguintes tópicos:

- significado de «rebanhos», tendo em conta a associação com o nome do livro de que o poema foi        extraído;
- identificação eu-pastor enquanto ponto de partida para uma identificação mais vasta com a natureza;
- desejo de abolição da consciência;
- vida comandada pelo primado das sensações;
- significado da saudação aos leitores;
- campos lexicais dominantes;
- conceito de poeta;
- simplicidade lexical e sintática;
- a enumeração, a comparação e a personificação;
- estrofe, métrica, rima.


Cenários de resposta

A)
                                                 Autora: Teresa Martins Abrantes, 12ºA
                                                 Prof. João Morais

“Eu nunca guardei rebanhos” corresponde ao primeiro poema da obra Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, tendo sido pela primeira vez publicada em 1925, nas 4ª e 5ª edições da revista Athena, à exceção do oitavo poema. Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, destaca-se não apenas pela espontaneidade e simplicidade ao nível da escrita, mas também pela valorização da utilização das sensações como autêntica forma de aceder à realidade e pela renúncia do recurso da razão.

O primeiro verso que dá nome ao poema (“Eu nunca guardei rebanhos” – v.1) apresenta, desde já, um certo antagonismo relativamente ao nome da obra que o integra. Apesar desta controvérsia, o sujeito poético acaba por esclarecer o leitor, afirmando que, no sentido literal, não guarda rebanhos. Porém, o facto de se assumir como defensor de uma doutrina que dirige e tenta seguir impreterivelmente é que lhe confere o título de pastor (vv.2 e 3), cuja função é guardar os seus “rebanhos”. Também esta palavra surge em sentido metafórico. Através do quiasmo lexical presente nos versos 45 e 46 (“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias / Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho”) conseguimos verificar a relação existente entre as palavras “rebanho” e “ideias”, resumindo-se esta última ao pensamento do sujeito poético que se cinge às suas impressões sensoriais.

O sujeito poético identifica-se como pastor por metáfora logo desde o início do poema (“Minha alma é como um pastor” – v.2), pois, tal como um guardador de rebanhos, dispõe de um movimento deambulatório (“E anda pela mão das Estações” – v.5), que lhe permite gozar ao máximo as sensações e adquirir a realidade do meio que o rodeia (“A seguir e a olhar” – v.6). Assim, como fator que estimula continuamente o sujeito poético, a natureza é percecionada na sua íntegra estando em plena harmonia e comunhão com ele (“Toda a paz da Natureza sem gente/ Vem sentar-se a meu lado.” – vv.7 e 8). Porém, a própria natureza pode causar um certo desconsolo ao sujeito poético quando põe em causa a fruição das sensações (“Mas eu fico triste como um pôr do sol” – v.9). O anoitecer é, por isso, interpretado negativamente, pois impede a assimilação do real na sua integridade (“Quando esfria no fundo da planície/ E se sente a noite entrada” – vv. 11 e 12).

Tal como a noite impede o primado das sensações, para o sujeito poético também o exercício da razão transfigura o que é real e verdadeiro, impossibilitando-o de alcançar a felicidade (“Os meus pensamentos são contentes/ Só tenho pena de saber que eles são contentes,” – vv.21 e 22). Assim, nas terceira e quarta estrofes, o sujeito poético exprime o desejo de abolição da consciência, elemento que limita a ação das sensações em reduzir o abstrato ao concreto e verdadeiro, elemento que simboliza o próprio abstrato e interfere com a relação de harmonia estabelecida entre o sujeito poético e o meio que o rodeia (“Pensar incomoda com andar à chuva/ Quando o vento cresce e parece que chove mais” – vv. 26 e 27).

Este desejo de abolição da razão está em conformidade com a valorização das sensações por parte do sujeito poético. Desta forma, a sua vida é comandada pelo primado das sensações que o permitem viver em sintonia consigo mesmo e com a natureza, gozando de todos os seus sentidos para melhor apreender o que o rodeia (“E corre um silêncio pela erva fora” – v.38; “Sinto um cajado nas mãos/ E vejo um recorte de mim” – vv.42 e 43). Por este motivo, ao longo de todo o poema surgem frequentemente palavras de dois campos lexicais dominantes: o dos sentidos (“olhar” – v.6; “sinto” – v.36) e o da natureza (“Natureza” – v.7; “flores” – v.18; “cordeirinho” – v. 32; “árvore antiga” – v.61).

Na última estrofe do poema, o poeta saúda os leitores de forma espontânea e humilde transmitindo-lhes um gesto de simplicidade (“Saúdo todos os que me lerem/ Tirando-lhes o chapéu largo” – vv. 49 e 50), algo que só pode ser adquirido através da vivência das sensações. Deste modo, convida-os a aderir à sua doutrina, a usufruir, enquanto leem os seus versos, das impressões sensitivas e a deixar de lado a razão (“Saúdo-os e desejo-lhes sol/ E chuva, quando a chuva é precisa,” – vv. 53 e 54).

Apesar de se consciencializar do facto de ser poeta, para o sujeito poético tal nunca foi uma ambição (“Não tenho ambições nem desejos./ Ser poeta não é uma ambição minha” – vv28 e 29), mas, sim, algo que resultou da urgência da expressão dos seus sentidos. Este decorrer natural da vida concorre para a ideia de espontaneidade e simplicidade, destacando um paganismo que é intrínseco ao próprio sujeito poético.

Através de alguns recursos expressivos, o sujeito poético vai revelando a sua mundividência. Logo desde no início do poema, ele compara a sua alma à de um pastor, atribuindo-lhe a liberdade e a simplicidade que a caracterizam (“Minha alma é como um pastor” - v.3). Também utiliza a comparação para descrever como perceciona a utilização da razão comparando-a à desagradável sensação de andar à chuva (“Pensar incomoda como andar à chuva” – v.26). A personificação também é um recurso bastante utilizado, pois transmite o desejo do sujeito poético de estar mais próximo da natureza e de a sentir na sua totalidade. Assim, expressa vontade em ser “cordeirinho” ou até mesmo “o rebanho todo” (vv. 31 – 35). Também a enumeração se apresenta como estruturante surgindo fundamentalmente na sétima estrofe, em que o sujeito poético descreve o modo como se visualiza e o procedimento de elaboração dos seus versos simples, despojados de abstrações (“Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,/ Sinto um cajado nas mãos/ E vejo um recorte de mim” – v.41 – 43).

Como é característico da escrita de Alberto Caeiro, conseguimos verificar a utilização de um léxico simples e espontâneo integrado em estruturas frásicas e sintáticas também sem grande complexidade. Relativamente ainda à análise formal do poema, pode-se afirmar que há uma certa irregularidade quanto à estrutura estrófica e versificatória, sendo a métrica também variável. Desta forma, o poema apresenta-se num tom meramente discursivo e de ritmo moderado em que se faz perpetuar a descrição do ato de sentir.

Em suma, este poema destaca-se pela ênfase que o sujeito poético confere ao primado das emoções, única forma de aceder à verdade, e ao seu desejo de supressão do uso da razão, elemento que limita a fruição dos sentidos na sua plenitude e impede a relação de harmonia e tranquilidade estabelecida entre o sujeito poético e a natureza. Assim, com um discurso essencialmente descritivo, simples e espontâneo, o sujeito poético descreve o que apreende do meio que o rodeia, como se perceciona a si mesmo, defendendo, ao longo do poema, a doutrina que dirige e assenta na valorização dos sentidos.

B)

                                                                   Autora: Maria Inês Vidal, 12ºB
                                                                   Prof. João Morais



«Eu nunca guardei rebanhos» é o primeiro de quarenta e nove poemas que constituem a obra O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa. O vocábulo “rebanhos” encontra-se presente neste poema e no nome do livro de que o mesmo foi extraído. A palavra “rebanhos” aparece como uma metáfora de ideias, pois são as ideias que o sujeito poético vê ao olhar para o rebanho (“Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias”). Por outro lado, este vocábulo serve também para representar a multiplicação dos sentidos do eu poético na proporção dos objetos em que incidem os seus sentidos. 

Nesta composição poética, o sujeito lírico começa por visualizar-se a si mesmo, em termos metafóricos, como um pastor (“Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se os guardasse.”), reduzindo os seus pensamentos àquilo que é concreto e procurando estabelecer uma relação de comunhão e de harmonia com a natureza (“Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estações”). De pastor, o sujeito poético tem o deambulismo (“Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos”), o andar constantemente sem destino, observando o que o rodeia: a variedade inexaurível da natureza, com o espírito concentrado numa atividade suprema: olhar (“A seguir e a olhar”). 

De facto, o pastor simboliza a solidão e o pensamento contemplativo: está sozinho na natureza e ocupa os seus dias a vaguear com o seu rebanho, sem perturbar a natureza e alimentando-se do que ela dá. Deste modo, o eu poético considera-se um pastor, visto que incorpora em si as qualidades do mesmo, mas não é limitado pela vida que um pastor leva, isto é, ele serve-se da arte do pastor para atingir um estado contemplativo. Para além disso, a intimidade que o sujeito lírico manifesta com a natureza (“E anda pela mão das Estações”) e a grande comunhão entre ambos, que resulta de ele se considerar um pastor, compaginam-se com a ingenuidade e a simplicidade que se representam no poema (“Toda a paz da Natureza sem gente / Vem sentar-se a meu lado.”). 

O poema situa-nos, portanto, e desde o princípio, nos domínios da metáfora: o pastor-poeta, o rebanho-ideias. De seguida, na terceira e quarta estrofes, o sujeito poético procura negar a utilidade ou valor do pensamento, construindo uma antifilosofia. Este seu desejo de abolição da consciência constitui a via para alcançar a paz e a felicidade. Por esta razão, o poeta lamenta não que os seus pensamentos ou sentimentos sejam contentes (vv.23-24), mas sim saber que eles o são, pois sabê-lo implica desde logo conhecimento, o qual advém do ato de pensar (“Os meus pensamentos são contentes. / Só tenho pena de saber que eles são contentes”). Se não tivesse este conhecimento, seria absolutamente feliz (“Em vez de serem contentes e tristes, /Seriam alegres e contentes”). Assim, é paradoxalmente “contente” e “triste”, e a tristeza provém da consciência de saber (vv.23-25). 

Desta forma, verifica-se neste poema o regresso da dor de pensar, já abordada pelo ortónimo. O incómodo que o ato de pensar acarreta é reforçado na comparação “Pensar incomoda como andar à chuva”. Pensar é, segundo o sujeito lírico, como andar à chuva: quanto mais chove, mais nos é difícil avançar normalmente. De modo semelhante, quanto mais pensamos, mais difícil é viver normalmente. Para o sujeito poético, ser feliz é ser guiado pelas sensações do momento e o pensar provoca tristeza e desconforto, como a situação descrita nos versos anteriormente enunciados. 

Os pensamentos do sujeito poético reduzem-se àquilo que é concreto, àquilo que ele percepciona através dos sentidos. Por esta razão, o eu poético é sensacionista e a sua vida é, deste modo, comandada pelo primado das sensações. É através do exercício dos sentidos que ele toma conhecimento da verdade e reduz o abstracto ao concreto (vv.14-15). 

Nesta composição poética, o sujeito lírico tem a noção de que é poeta, mas, para ele ser poeta, nunca foi uma ambição (“Ser poeta não é uma ambição minha”), apenas constitui a sua forma de estar sozinho com as suas ideias, num estado contemplativo e de autorreflexão (“É a minha maneira de estar sozinho.”). Na sétima estrofe estão patentes, através de uma enumeração de ações, outras características do eu poético enquanto poeta (vv.41-43). 

Na oitava estrofe do poema, o sujeito lírico saúda todos os seus leitores de forma gentil e humilde como um campesino (“Saúdo todos os que me lerem, / Tirando-lhes o chapéu largo”). Saúda-os, sugerindo-lhes tudo quanto é simples e objetivo, pacífico e suave, ingénuo e natural – o sol, a chuva, a casa, a janela aberta, a cadeira predileta, a árvore antiga, a criança despreocupada – proporcionando-lhes, assim, uma leitura que se configura com o exercício espontâneo dos sentidos. 

Relativamente à forma, o sujeito poético recorre ao verso solto, verificando-se a inexistência tanto de isomorfismo como de isometrismo. Isto concorre para uma maior simplicidade e naturalidade no poema. De referir ainda o vocabulário e sintaxe simples, sem grande elaboração e o estilo coloquial, que compaginam com a educação que Caeiro recebeu. Nesta composição poética, verifica-se a presença de dois campos lexicais dominantes: a natureza e os sentidos, valores sempre presentes na poesia deste heterónimo de Fernando Pessoa. É de destacar ainda o ritmo prosaico patente, ritmo moderado como um deslizar vagaroso e contínuo, que faz com que os versos deslizem tranquilos perante o nosso olhar interior, sem paragens, sem interrupções. 

A nível estilístico, é de salientar, na primeira estrofe, a personificação da natureza (v.5, vv.7-8) e as comparações (v.3, v.9, v.13), recursos que evidenciam a relação íntima e intensa que o eu poético estabelece com a natureza. 

Em conclusão, neste poema, o sujeito poético, não é um pastor no sentido literal da palavra. Ele possui uma alma de pastor, ou seja, é um pastor na sua essência. A contemplação da natureza, da beleza primordial, leva-o a sentir a realidade de forma intensa, num modo similar ao da pastorícia que reúne a solidão e a contemplação. Alberto Caeiro, poeta bucólico e sensacionista, escreve e pensa versos de forma concomitante, relacionando realidades contrastantes, traços estes que formam a base da originalidade e do ineditismo da sua poética.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Análise d' «Ó sino da minha aldeia», de Fernando Pessoa

     
     Ó sino da minha aldeia,
     Dolente na tarde calma,
     Cada tua badalada
     Soa dentro da minha alma.

 5   E é tão lento o teu soar,
     Tão como triste da vida,
     Que já a primeira pancada
     Tem o som de repetida.

      Por mais que me tanjas perto
 10 Quando passo, sempre errante,
     És para mim como um sonho.
     Soas-me na alma distante.

    A cada pancada tua
 15 Vibrante no céu aberto,
     Sinto mais longe o passado,
     Sinto a saudade mais perto.

                                           Fernando Pessoa

Faz uma análise do texto transcrito, atendendo aos seguintes tópicos:
- tema e assunto;
- efeito exercido pelo toque do sino no sujeito poético;
- sentido dos versos 5 a 8;
- recursos expressivos nos versos 1-2, 11 e 15-16;
- reatualização da poesia tradicional.


Em primeiro lugar, neste poema, cujo tema é a nostalgia de infância, o sujeito poético, ser errante (“sempre errante”), recorda o passado (“Sinto mais longe o passado”), tempo de felicidade como um bem perdido, encontrando apenas conforto e sentido para a vida no tempo da infância.

Logo no primeiro verso, o sujeito lírico interpela «o sino da [sua] aldeia», com recurso à apóstrofe (“Ó sino”), a qual concorre para uma maior aproximação entre o eu lírico e o sino a quem este se dirige. O toque do sino estimula a memória do sujeito poético (v.4), no sentido em que o faz recordar a sua infância, passado distante que se associa a um sonho (vv.11-12). É um eco do passado que, longe de alegrar o sujeito lírico, desperta nele a saudade de um tempo irrecuperável (vv.15-16). Os adjetivos "Dolente" e "calma" (v.2) remetem para a durabilidade do som, que não se apaga na memória do poeta.

Convém igualmente destacar, ainda na primeira estrofe, o simbolismo patente no vocábulo “aldeia” (v.1). A aldeia poderá simbolizar neste poema o espaço da infância do sujeito lírico. Surge como um espaço de intimidade, metáfora da interioridade do poeta. Nesta estrofe encontra-se igualmente presente uma hipálage (“Ó sino da minha aldeia/ Dolente […] ”), uma vez que “Dolente” se refere ao sujeito lírico, que, de facto, sofre, e não ao sino. Esta figura conota essa proximidade, essa intimidade duma memória que se reativa e que produz saudade.

Na segunda estrofe, o sujeito poético pretende mostrar o impacte que o sino, símbolo da dolorosa passagem do tempo, tem no seu estado de espírito. Começa por afirmar que as memórias de um passado saudoso assolam a sua alma tão lentamente como a tristeza da vida (vv.5-6), comparando, deste modo, a lentidão do soar do sino com o seu próprio estado de espírito nostálgico. Para além disso, à medida que o sino toca, acentua-se no sujeito poético a saudade de tempos passados e “ […] a primeira pancada/ Tem o som de repetida”, pois soa tanto no espaço exterior como também no espaço interior, na alma do poeta. Esse seu ecoar instaura no sujeito poético uma certa melancolia e tristeza.

Na terceira estrofe, o sujeito lírico compara o toque do sino a um sonho (“És para mim como um sonho.”). Ele exerce esta comparação porque aquele toque remete-o para um passado distante, o qual nunca mais vai voltar, fazendo com que essas memórias pareçam um sonho, despertando nele a nostalgia de uma infância perdida.

Na quarta e última estrofe, o sujeito poético recorre à antítese "Sinto mais longe o passado,/ Sinto a saudade mais perto", apercebendo-se que a inconsciência e a felicidade que experimentou na sua infância não poderão ser revividas. São despertados nele sentimentos de saudade do bem perdido, do único momento de felicidade plena, do tempo onírico que é a infância. A anáfora do vocábulo “Sinto” (vv.15-16) também concorre para evidenciar a frustração e a nostalgia do sujeito poético.

Relativamente à forma, o poema é composto por quatro quadras, nas quais todos os versos apresentam sete sílabas métricas (a redondilha, maior neste caso, é um metro popular), verificando-se, a existência de isometrismo. Nesta composição poética são empregados um léxico e uma sintaxe simples. Além das características já enunciadas, este poema tem uma grande componente de musicalidade devido ao uso da aliteração (“Sinto mais longe o passado/ Sinto a saudade […] “) e do ritmo muito marcado – predominantemente alternado com o som e a pausa decorrentes das badaladas. Deste modo, é possível verificar que se encontram no mesmo reatualizadas as características da poesia tradicional, entre as quais, o predomínio da quadra, a sintaxe simples, o ritmo melodioso, o verso curto (sete sílabas métricas) e o léxico acessível.

Em conclusão, nesta composição poética de Fernando Pessoa, publicada pela primeira vez em 1914 na revista A Renascença, o sujeito poético dirige as suas palavras, sempre e unicamente, ao sino, mas sem esperar ou pedir nada dele. O sino é a causa imediata do seu falso diálogo, no qual enuncia, em tom melancólico, a sua condição de eterno errante (v.10) para quem tudo é simultaneamente perto e distante (vv.15-16), desde o passado irrecuperável até ao soar do sino no presente.

Autora: Maria Inês Vidal, nº16 - 12ºB 
Prof. João Morais

sábado, 13 de outubro de 2018

Apreciação crítica da obra War, de Paula Rego (2003)


Tal como nos é sugerido pelo nome da obra, War, de Paula Rego, pertencente ao acervo da Tate, em Londres, esta pintura, que utiliza o pastel, apresenta uma transfiguração da dura realidade e do ambiente de terror que se faz sentir na guerra. 

De acordo com o seu próprio testemunho, a autora ter-se-á inspirado numa fotografia publicada no jornal The Guardian, no início da guerra do Iraque, em março de 2003.

Neste quadro destacam-se, desde logo, duas figuras femininas com cabeças de coelho, que usam vestidos. Uma destas encontra-se ensanguentada e em evidente sofrimento ao colo da outra. Ambas configuram, possivelmente, a situação de fuga e o desespero do cenário de guerra aí retratado. O facto de a pintora recorrer à representação de figuras animalescas e híbridas em vez de humanos confere e estes o caráter animalesco presente na guerra para além de concorrer para a natureza grotesca da obra – e do próprio homem.

No resto da obra é possível observarem-se outras situações de desumanidade características da guerra como as violações, simbolizadas pela cegonha com as asas estendidas e com uma garra dentro do vestido de outra figura com cabeça de coelho no canto inferior esquerdo da composição, e, aparece, de igual modo, o símbolo de coragem representado numa mulher que carrega um pau com um ar autoritário e destemido. Para além disto, testemunhamos também na parte superior da obra, por detrás das personagens centrais, um inseto gigante, que parece ser uma formiga a lutar com um cão, uma figura feminina a abraçar um pelicano e, finalmente, um gato no canto oposto da obra, simbolizando os comportamentos de alheamento e indiferença dos homens relativamente aos cenários de guerra no mundo.

O fundo de War encontra-se dividido em três blocos de cor: um tom castanho amarelado no primeiro, castanho terra no segundo e no terceiro um azul escuro sombrio com uma pluma de preto, intensificando sentimentos como o sofrimento e o medo. Estas bandas de cor contrastam com as figuras representadas, as quais são bastante mais trabalhadas.

Em suma, a autora da obra Paula Rego foi capaz de retratar de forma caricata e autêntica a cruel realidade da guerra bem como o sofrimento das vítimas e o caráter desumano do Homem, ao agir de forma irracional como os animais. Através da representação do absurdo, a pintora consegue representar a violência e a angústia, que tanto caracterizam os cenários de guerra, usando o imaginário que decorre de memórias da infância, o que corrobora o lado monstruoso do homem – vítima mas também autor (lobo) da mesma guerra (e do próprio homem, seu semelhante).




Autora: Maria Inês Antunes, nº15 - 12ºB
Prof. João Morais

quarta-feira, 18 de abril de 2018

A viagem

Desde tempos imemoriais que a humanidade sentiu a necessidade de conhecer, de explorar, movida pela curiosidade, característica intrínseca ao ser humano que o levou a aventurar-se além das fronteiras físicas e mentais que até então conhecia. Isto permitiu-nos o convívio com outros povos, culturas e maneiras de pensar, promovendo uma abertura de horizontes à índole de cada um, possibilitando o conhecimento do outro e de nós mesmos.

É inegável que a viagem promove o enriquecimento pessoal do indivíduo, pois, mais do que mera visita a um país, mais ou menos longínquo, quando o coloca em confronto com tradições antagónicas à sua, quando o coloca perante a diferença, leva-o a confrontar-se com essa diferença para compreender o outro. Viajar até à Índia, por exemplo, pode significar sentir intensamente os cheiros, os paladares, mas também destruir visões idealizadas quanto à serenidade deste mesmo país e abrir a mente a uma nova realidade para melhor compreendermos o outro. Esta abertura de horizontes também deixa marcas perenes nos viajantes que se confrontam com estas realidades vividas em países como a Índia. Por exemplo, Angelina Jolie, ao visitar o Camboja e ao ser colocada em confronto com a dura realidade deste país asiático, decidiu adotar o seu primeiro filho e contactar o ACNUR, do qual é atualmente embaixadora – a integração dessa realidade diferente humanizou-a, levou-a a atuar afetiva e socialmente.

Para além disso, a viagem é, talvez, das poucas oportunidades que nos concedemos para que o inesperado entre nas nossas vidas, pois não há muitas vezes preparação possível para o embate com novas culturas e para o encontro com outros povos. Estamos habituados ao nosso quotidiano e poucas vezes somos surpreendidos com o inesperado, mas, quando viajamos, o nosso destino será sempre desconhecido que primeiro nos surpreende, mas que, com o passar do tempo, nos mostra um pouco do que somos. Por exemplo, chegar a uma cidade desconhecida pela primeira vez provoca algum desconforto, pouco a pouco substituído pela sensação de descoberta. A primeira impressão que este novo espaço provoca nunca se dissipará e é algo que acrescentamos àquilo que somos. Vejamos o caso dos nossos concidadãos que, um dia, pela força das circunstâncias tão adversas como a precariedade da vida, tiveram de ir à aventura para outros lugares, muitas vezes noutros continentes, trabalhar e integrar toda uma cultura e rotinas, que, apesar de diferentes, foram por eles assimiladas. Quem não acredita na capacidade dos portugueses de se aculturarem e acomodarem de modo harmonioso e autêntico a outros contextos e a outras culturas?

Por outro lado, ainda que a viagem física permita enriquecer o ser humano a vários níveis, viajar é, nos dias de hoje, infelizmente, quase um luxo, o qual é acessível apenas a uma minoria da população. É, também, altamente redutor considerar que apenas a viagem física permite um pleno conhecimento do outro e até de nós próprios. A emoção despertada no viajante ao chegar a uma cidade como Roma, por exemplo, passando por monumentos famosos, como o Coliseu, pode ser substituída, mesmo que parcialmente, pela leitura ou até pelo cinema, o que não deixa de ser outra forma de viajar. Os livros e os filmes, mais acessíveis, permitem, de facto, para além de conhecer novos povos, novas culturas, novos espaços, conhecer as emoções que novos lugares provocaram nos seus autores. Pensemos no cado de Puccini, que, apesar de nunca ter ido ao Oriente, compôs óperas com uma trama e contornos culturais como os do Japão, em Madama Butterfly (1), ou como os da China, em Turandot (2).

Em suma, é um facto que viajar enriquece o ser humano e promove tanto a descoberta do outro como também, pelas experiências que nos proporciona, a de nós próprios. Mais do que a viagem física por si só, importa, de facto, saber em que medida ela transforma e deixa marcas perenes no viajante.

(1) sugestão da autora:
https://www.youtube.com/watch?v=EgHOhLrN3eQ
(2) sugestão da autora: 
https://www.youtube.com/watch?v=7cMwIAirZQY

Autora: Inês Vidal, 11º B
Prof. João Morais

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Folhas Caídas: uma experiência de leitura

·         Introdução
        A obra Folhas Caídas, de Almeida Garrett, engloba um conjunto de poemas de temática amorosa, escritos no fim da vida de poeta. Ao que se crê, estas composições poéticas são um reportório em verso dos sentimentos que a paixão pela Viscondessa da Luz terá despertado em Garrett.
        Nesta obra observa-se uma poesia confessional, um misto de sinceridade e fingimento, exibicionismo e desengano.
        A obra é inovadora pela forma utilizada, com o predomínio da redondilha maior e da menor, o uso da sinestesia e uma certa conceção dramática que subjaz à maioria dos poemas e que se traduz no tom coloquial da linguagem. 
       Esta coletânea de poemas é, sem dúvida, a mais interessante de Garrett e é nela que mais livremente se expande o individualismo romântico e a frescura dum estilo solto e sem peias.

A Advertência
      A anteceder os poemas, pode ler-se a Advertência datada de Janeiro de 1853. Nela encontram-se algumas linhas de leitura da poesia amorosa deste livro.
       Na Advertência, Garrett começa por sugerir que a coletânea Folhas Caídas não é fruto de um acaso, antes o produto de uma escolha criteriosa (“ [...] essas folhas de poesia que por aí caíram vamos escolher uma ou outra que valha a pena conservar […] ”).
      No parágrafo seguinte é possível reconhecer que Garrett tem a peculiaridade de saber jogar com o leitor, desculpando-se sempre (“ Enganei o público, mas de boa-fé, porque me enganei primeiro a mim.”).
      De seguida, o autor refere o tom confessional e intimista que perpassa os diversos poemas da obra (“ Os cantos que formam esta pequena coleção pertencem todos a uma época de vida íntima e recolhida […] ”) e afirma que haveria de ser poeta em tudo e durante toda a vida, reforçando, deste modo, o seu carácter romântico (“ Poeta na Primavera, no Estio e no Outono da vida, hei de sê-lo Inverno, se lá chegar, e hei de sê-lo em tudo”).
     Mais à frente ainda na Advertência, o poeta mostra a sua indiferença perante a reação do público aos seus poemas (“ E como nada são por ele nem para ele, é provável que o público sinta bem diversamente que o autor. Que importa?”). É de destacar também o facto de Garrett considerar que o melhor juiz que pode ter é ele próprio, enquanto homem lúcido, de olhos abertos (“ [...] parece-me que o melhor e mais reto juiz que pode ter um escritor é ele próprio, quando o não cega o amor-próprio. Eu sei que tenho os olhos abertos […] ”).
     Neste seguimento, Almeida Garrett reconhece os defeitos dos seus poemas, mas revela-se incapaz de os queimar (“Enfim, eu não queimo estes.”), pois, na sua opinião, esta tarefa não lhe cabe a si, mas ao Deus que o inspirou na elaboração dos mesmos (“E o deus que os inspirou que os aniquile se quiser: não me julgo no direito de o fazer eu”). Este deus desconhecido (Ignoto Deo), a quem o poeta consagra os seus versos, é mistificado e envolvido num manto de mistério (“O meu deus desconhecido é realmente aquele misterioso, oculto e não definido sentimento de alma […] ”).
     Na parte final da Advertência, Garrett fala sobre a loucura do poeta que aspira atingir o impossível, o infinito, estabelecendo-se uma contradição entre a aspiração dos poetas ao ideal e ao infinito (“ […] que tendendo para o fim único, a posse do Ideal […] ”) e a incapacidade dos mesmos de o atingir (“Ao infinito não se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele.”).
    Por fim, o autor termina a Advertência sublinhando o estatuto do poeta enquanto ser incompreendido (“ [...] vós não entendeis nada dele.”). Este revela-se ao mesmo tempo como um ser superior, que na morte apenas perde a matéria, a pequena parte em que se assemelha aos homens (“ […] só morrerá dele aquilo em que se pareceu e se uniu convosco.”), prevalecendo eterno o seu espírito.
Este inferno de amar
    Em primeiro lugar, neste poema é feita uma reflexão sobre uma relação amorosa que funciona ao mesmo tempo como fonte de vida e de dor para o eu poético.
    Esta composição poética, cujo tema gira à volta das contradições do amor, pode dividir-se em três partes lógicas. Na primeira parte, a primeira estofe, o eu poético pergunta a si próprio como foi possível aparecer em si esse amor fatal (“Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?”),  que, a um tempo, o consome e lhe dá vida (“Esta chama que alenta e consome,/Que é a vida […] ”). Na segunda parte, a segunda estrofe, o sujeito poético recorda-se com saudade da vida serena e sonhadora que tinha vivido antes (“A outra vida que dantes vivi/ Era um sonho talvez […] / Em que paz tão serena a dormi!”), questionando-se depois sobre quem o veio tirar desse sonho (“Quem me veio, ai de mim! Despertar?”). Na terceira parte, isto é, na terceira e última estrofe, o eu poético parece encontrar o motivo desse fatal amor (“E os meus olhos […] / Em seus olhos ardentes os pus.”) que veio modificar a sua vida.

   Por outro lado, é de notar a relação de oposição que se estabelece entre o presente e o passado neste poema de Garrett. O presente (primeira estrofe) surge em oposição a um duplo passado: o passado anterior à amada (segunda estrofe) e o passado com a mesma (terceira estrofe). Assim, pode inferir-se que o sentido dubitativo do poema (“ Que fez ela? Eu que fiz?”) é também visível na sua organização interna, que não é determinada por uma ordem cronológica.

    Através da análise do poema, é possível perceber que o retrato da mulher aqui presente é o da mulher fatal, típica do Romantismo, que arrasta o eu poético para o abismo da perdição. Esta mulher proporciona ao sujeito poético uma vida de “inferno”, com uma relação amorosa ardente desde o momento em que se conheceram, tornando ela a existência do eu poético desejada, viva, com razão de ser.

     Relativamente à forma, esta composição poética é constituída por três sextilhas. A rima não obedece a um esquema rígido sendo cruzada no segundo e quarto verso, emparelhada no quinto e sexto e branca nos restantes – expressão da liberdade que Garrett inaugura na poesia portuguesa. Quanto ao ritmo do poema, verifica-se uma cadência ternária com acentos na 3ª,6ª e 9ª sílabas métricas.

     Neste poema, Garrett utiliza uma linguagem simples e recorre a diversos recursos de estilo para transmitir os estados de espírito do eu poético e obter um lirismo subjetivo e profundo. Entre estes recursos de estilo destacam-se a metáfora (“este inferno de amar”) e a antítese (“alenta e consome”- efeito contraditório do amor).

      Por fim, é também importante sublinhar as características românticas presentes tanto na forma como no conteúdo do poema. Relativamente à forma, para além da escrita livre sem rigor no metro e na rima, a linguagem é simples e o ocorre uma panóplia de recursos estilísticos para representar o estado de alma do sujeito poético. Destaca-se a utilização de uma linguagem coloquial com predomínio para repetições, interjeições, frases interrogativas e suspensas, como marca do Romantismo. Por outro lado, relativamente ao conteúdo, o tom retórico, a hiperbolização do sofrimento do eu poético, a divinação da mulher como mulher fatal e a importância dos sentimentos são marcas românticas muito presentes neste poema de Garrett.
      Em conclusão, interroga-se a natureza do amor num poema de uma veemência raramente atingida na poesia portuguesa.
 Os cinco sentidos
                Em primeiro lugar, nesta composição poética há uma superlativação da mulher amada face à Natureza. Verifica-se uma dependência do eu poético relativamente a essa mulher, em virtude de não lhe serem despertados quaisquer dos cinco sentidos sem ela e não encontrar qualquer prazer, beleza, alegria no mundo exterior. Todos os seus sentidos estão centrados e orientados para ela (“A ti! ai, a ti só os meus sentidos/ Todos num confundidos,/ Sentem, ouvem, respiram;”).
                Este poema, cujo tema passa pelo amor sensual, erótico e mesmo pela excitação carnal, pode ser dividido em duas partes lógicas. A primeira parte, as primeiras cinco sextilhas, corresponde ao registo das cinco sensações do sujeito poético a partir do que a Natureza e a amada lhe oferecem (“Mil cores - divinais têm essas flores; […] / Não vejo outra beleza/ Senão a ti - a ti!”), num crescendo de sensações tendentes noa segunda parte ao paroxismo do êxtase. A segunda parte, a última estrofe, sintetiza a entrega total do eu poético à amada (“A minha vida em ti;/ E quando venha a morte,/ Será morrer por ti”).
                Relativamente ao conteúdo de cada estrofe, na primeira sextilha existe uma incapacidade por parte do eu poético para apreciar a beleza das estrelas e das flores, pois está obcecado pela beleza da mulher amada (“Em toda a natureza/ Não vejo outra beleza/ Senão a ti […] ”). Nesta estrofe é estabelecida uma relação entre a amada e a Natureza, verificando-se uma superlativação desta última através da conjunção adversativa mas (“Mas eu não tenho, amor, olhos para elas”), do advérbio de exclusão senão, da repetição da expressão a ti e pela exclamação final (“Senão a ti - a ti!”). Ainda relativamente à primeira estrofe é importante salientar que todo o discurso do eu poético se destina à amada, cuja presença silenciosa está patente no vocativo amor e pelas formas pronominais da segunda pessoa.
                Na segunda sextilha o sujeito poético revela-se incapaz de apreciar a voz harmoniosa do rouxinol (“[…] mas eu do rouxinol que trina/ Não oiço a melodia”), pela razão da  sua audição apenas captar os sons da mulher amada, constatando-se, nesta estrofe e no resto do poema uma superioridade da amada em relação à Natureza, facto que concorre para o seu estatuto de mulher-anjo, típico do romantismo.
                Na terceira, na quarta e quinta sextilhas o eu poético revela-se igualmente incapaz de apreciar a natureza, ao nível do olfato, do paladar e do tato respetivamente. É de destacar o reforço do caráter erótico do amor na quarta e quinta estrofes. Na última estrofe, verifica-se que os sentidos do eu vibram na presença da amada, a quem ele entrega a sua vida (“A minha vida em ti;/ E quando venha a morte,/ Será morrer por ti”), sofrendo, assim, de uma morte de amor por excesso de felicidade e prazer, ou seja, uma morte que se renovará no orgasmo do fim da comunhão sexual.
                Ao longo desta composição poética de Garrett, a referência aos cinco sentidos está organizada de forma progressiva nas cinco primeiras estrofes: do mais distante (visão) ao mais próximo (tato), do mais abstrato ao mais concreto, da observação exterior ao contacto físico.
                Neste poema, Garrett recorre a metáforas para confirmar o carácter erótico da composição poética (“relva luzidia” = corpo da mulher), comparações para exaltar a mulher amada (“ São belas… Senão a ti”), hipérboles (“Mil cores”) e à anáfora da expressão a ti para mostrar o estado emocional do sujeito poético. A sensualidade que ressuma das palavras e do ritmo terão feito corar as faces mais pudicas dos leitores que, porventura, terão lido estes versos às escondidas.
                Será assim ainda hoje?
                Relativamente à forma, o poema é composto por cinco sextilhas e uma oitava final. As sextilhas apresentam três versos decassilábicos e três versos hexassilábicos, enquanto a oitava tem um verso decassilábico e os restantes hexassilábicos. Quanto à rima, esta é cruzada e emparelhada tanto nas sextilhas como na oitava, apresentando as sextilhas igualmente versos brancos.
                Por fim, este poema apresenta características românticas, das quais se destacam a ligação amor e Natureza, a valorização da sensualidade, o individualismo, a presença do ideal da mulher-anjo e a rejeição do conhecimento racional pelos sentidos.

·         Cascais
                Este longo poema, cujo tema é a saudade, divide-se claramente em três partes. Na primeira parte, da primeira à terceira estrofes, o sujeito poético descreve a Natureza (“O mar que incessante brama…/ Tudo ali era braveza/ De selvagem natureza.”). Esta descrição apresenta uma conotação positiva e corresponde ao passado do eu poético antes da amada. De seguida, na segunda parte desta composição poética, da quarta à oitava estrofes, a descrição das estrofes anteriores dá lugar à narração e o eu poético narra o seu passado com a amada, tempo de felicidade amorosa (“Ali sós no mundo, sós,/ Santo Deus! Como vivemos!”). Na terceira parte, isto é, nas três últimas estrofes, o sujeito poético retoma a descrição, mas desta vez esta apresenta uma conotação negativa (“Mas o céu já não começa:/ Sumiu-se na treva espessa, / E deixou nua a bruteza”). A diferença entre as duas visões da Natureza resulta da alteração dos sentimentos do sujeito poético (“Oh! Que fatais desenganos,”).
                A descrição da Natureza neste poema de Garrett corresponde a uma visão romântica, quer pelos elementos que a compõem, quer pela caracterização dos mesmos, quer pela imagem global que dela resulta (“braveza”, “selvagem natureza”, “bruteza”, “agreste natureza”). Ainda no âmbito do modelo romântico encontramos a relação amorosa entre o sujeito poético e a amada, visto que se verifica o isolamento (“sós no mundo sós”), a exclusividade (“Como ela vivia em mim/ Como eu tinha nela tudo”), a perda de noção da realidade (“essas horas fugidias/ séculos na intensidade”) e a impossibilidade de se realizar no presente (“depois os senti/ Os travos que ela deixou…”).
                Neste longo poema de onze estrofes de seis versos, com um esquema rimático fixo (ababcc), existe um espaço delimitado, à semelhança das obras dramáticas, dentro do qual se desenrola a narrativa sentimental (amei, deixei de amar). Este espaço é a serra, mais concretamente “ali” onde acaba a Terra (“Acabava ali a Terra”). Esse ponto concreto é referido por diferentes deíticos espaciais nas três partes do poema (“Aí na quebra do monte”; “Ali sós no mundo […] ”; “Lá onde se acaba a Terra”). Esta alteração de posições está relacionada com a passagem do tempo, elemento estrutural deste poema. A passagem do tempo corresponde à mudança dos sentimentos do sujeito poético dentro do esquema tipicamente romântico: ao passado corresponde o tempo da felicidade; o presente é o tempo da desilusão e do sofrimento.

                Em conclusão, este poema retrata o drama do tempo que mata o milagre do amor, refletido no lugar (Cascais). O lugar é o mesmo e já não é, ela é a mesma e já não é, ele é o mesmo e já não é, visto que o tempo passou. No entanto, Cascais é a memória.

·         Barca bela
                Nesta composição poética, cujo tema é o poder de sedução da mulher, Garrett alerta todos os homens para os perigos que podem advir de um relacionamento amoroso.

                Neste poema, alguns elementos encontram-se revestidos de simbolismo, isto é o caso da estrela que simboliza a fatalidade e da sereia que é simbolicamente usada para designar os perigos.

                Este poema de Garrett pode ser dividido em três partes lógicas. Na primeira parte, a primeira quadra, há uma constatação da beleza da mulher (“Que é tão bela?”). Na segunda parte, da segunda à quarta quadra, o sujeito poético alerta o pescador das precauções (“Colhe a vela,”) a tomar para não cair em tentação (“ Não se enrede na rede dela”) e avisa-o acerca de possíveis perigos (“Deita o lanço com cautela,/ Que a sereia canta bela…/ Mas cautela,”). Na terceira parte, isto é, na quinta estrofe, o eu poético dirige um apelo ao amante para que não se envolva (“Pescador da barca bela,/ Inda é tempo, foge dela,”).

          Relativamente à caracterização da mulher verifica-se que esta é ao mesmo tempo descrita como fonte de beleza e de encantamento (“Que é tão bela”; “Que a sereia canta bela”) e como fonte de perigo (“Foge dela”).

         Este poema apresenta uma variedade de recursos estilísticos, entre os quais se encontram: a metáfora, presente, por exemplo, na sereia que simboliza a sedução e os perigos da vida; a apóstrofe (“Pescador da barca bela,”); e a aliteração (“ […] barca bela,/ […] com cautela”).

          Em termos linguísticos, nesta composição poética predominam o uso do imperativo (“Colhe a vela,”), o tom coloquial (“Onde vais […] ”; “Inda […] ”), os trocadilhos (“ […] enrede a rede […] ”) e as repetições (“Pescador da barca bela,/ […] foge dela,/ Foge dela,/ Oh pescador!”), as quais mostram a urgência do apelo e a iminência do perigo.

        Quanto à forma, este poema é composto por cinco quadras, nas quais dois versos são heptassilábicos, e os outros dois são trissilábico e tetrassilábico, respetivamente. O esquema rimático é aaab em todas as estrofes pelo que a rima é emparelhada, havendo igualmente um verso solto em cada quadra.

        Neste poema encontram-se presentes alguns aspetos românticos: a superioridade e a atração fatal da mulher (sereia), a ligação à poesia popular e a acentuação da teatralidade do discurso.

       Em conclusão, esta composição poética de Garrett é notavelmente marcada pelo Romantismo do qual o poeta foi um exemplar seguidor, tratando-se este poema de um conselho de fuga e de renúncia ao amor.
                                                                                                                                           
·         Conclusão
       Tendo escandalizado o público leitor da época, que no entanto o lia avidamente, é comovente vermos como a alma de Garrett se desnuda em Folhas Caídas, não hesitando em se expor ao ridículo devido à exploração do escândalo e da sensualidade.

      Em Folhas Caídas, o seu último livro de poemas, Garrett liberta-se definitivamente da formação arcádica e compõe uma obra inovadora e moderna, tanto pelo conceito de amor que nela canta, uma devastadora paixão sensual, como pela métrica, inspirada na poesia popular, com predomínio da redondilha maior e menor, como pela expressão liberta de peias e convenções.

Autora: Inês Vidal, 11º B
Prof. João Morais