O BlogBESSS...

Bem-Vindos!


Blog ou Blogue, na grafia portuguesa, é uma abreviatura de Weblog. Estes sítios permitem a publicação e a constante atualização de artigos ou "posts", que são, em geral, organizados através de etiquetas (temas) e de forma cronológica inversa.


A possibilidade de os leitores e autores deixarem comentários, de forma sequencial e interativa, corresponde à natureza essencial dos blogues
e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


Colabore nos Projetos "Autor do Mês..." (Para saber como colaborar deverá ler a mensagem de 20 de fevereiro de 2009) e "Leituras Soltas..."
(Leia a mensagem de 10 de abril de 2009).


Não se esqueça, ainda, de ler as regras de utilização do
BlogBESSS e as indicações de "Como Comentar.." nas mensagens de 10 de fevereiro de 2009.


A Biblioteca Escolar da ESSS

PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


terça-feira, 20 de outubro de 2009

A obra de Pepetela (2009) - O Planalto e a Estepe



Angola, dos anos 60 aos nossos dias. A história real de um amor impossível.
Do encontro entre um estudante angolano e uma jovem mongol, nos anos 60, em Moscovo, nasce um amor proibido.


Baseada em factos verídicos, ficcionados pelo autor, esta história põe em evidência a vacuidade de discursos ideológicos e palavras de ordem, que se revelam sem relação com a prática. Política internacional, guerra, solidariedade e amor, numa rota que liga um ponto perdido de África a outro da Ásia, passando pela Europa e até por Cuba. Uma viagem no tempo e no espaço, o de uma geração cansada de guerra num mundo cada vez mais pequeno.

Maravilhoso e comovente, este é um romance sobre o triunfo do amor, contra todas as vontades e todas as fronteiras.


Algumas passagens d'O Planalto e a Estepe


“…Preferia ir brincar com os miúdos das redondezas, que moravam nas cubatas dispersas ao lado de hortas. Eles não iam à escola mas sabiam muitas coisas para me ensinar. Eu também a eles. Caçávamos pássaros com chifutas de borracha, mergulhávamos na lagoa azul perto da estrada, contávamos estórias, ríamos, formávamos um bando unido. No tempo certo, apanhávamos mirangolos às carradas. Eram frutos vermelhos no começo, roxos quase pretos quando maduros, nascidos em arbustos do tamanho de uma pessoa. Comíamos até termos dor de barriga, o resto levávamos para as casas, onde as mães faziam compotas
espantosas porque os mirangolos são simultaneamente
doces e ácidos. É a melhor compota do mundo, venham os sabichões contar o contrário. Os pais dos meus amigos trabalhavam na cidade, geralmente como criados nas casas dos brancos, ou nas chitacas maiores, também dos brancos. As mães ficavam nas cubatas a tomar conta das crianças e a tratar da chitaca, normalmente
muito pequena pela falta de braços, produzindo apenas
milho, legumes e fruta para a família. As mulheres pisavam ainda o milho nas covas dos rochedos ou nos pilões e faziam a comida, peixe seco com funje de milho. Só em dias de festa grande comiam carne. De boi muito raramente, de cabrito mais frequentemente.
Vinha gente de todos os lados para comer a carne
de boi nas festas grandes, casamento ou óbito.
Dois do meu bando eram filhos do Kanina, João e Job, mas ele tinha outros, ou muito grandes ou pequenos de mais. Nunca reparei na cor da pele deles, quente como a minha.
O valor da pele é o seu calor.
No entanto a Olga, sempre atenta aos meus passos, um dia me chamou a atenção para as diferenças:
– Devias brincar com os teus colegas de escola e não com esses.
– Porquê?
– Porque eles são pretos e nós brancos.
– E então?
– Os pais não acham bem.
Os meus pais nunca tinham dito nada, nem mesmo com os olhos. Mandaram a Olga dizer? Ou foi só uma boca dela? A Olga tinha a mania de irmã mais velha, sabem como é.
Metia-se na vida dos mais novos.
Continuei porém a brincar com os meus amigos. À volta de casa não tinha outros. Mas não gostava deles por isso. Gostava por serem meus amigos verdadeiros, me lembro deles quando era muito pequeno e crescemos juntos. Tinha outros amigos, alguns companheiros de escola. Brancos, quase todos. Um ou outro mestiço. Não me lembro de nenhum negro na escola. Mas devia haver, pois se dizia Salazar construiu uma Angola multirracial.
Bem, nessa altura nem percebia ideias nem palavras tão complicadas. O certo é ter os amigos das redondezas, com eles jogava futebol e caçava sardões ou pássaros e apanhava fruta. Só hoje sou capaz de reparar terem cores diferentes dos outros da escola. Na época éramos todos iguais, julgava eu.
Não éramos afinal, havia racismo.
Olga era racista, desde pequena dizia, não gosto nada de negros. Devia ter ouvido os colonos vezes sem conta com afirmações desse género e aprendeu a frase. Acho, começou a repetir como um papagaio antes de a perceber. Eu só mais tarde percebi. Não gostei. Mal sabia eu! O racismo havia de me perseguir a vida inteira, como vos explicarei.
Se tiver tempo.
O tempo é um atleta batoteiro, toma drogas proibidas, corre mais que todos. E quanto mais o quisermos agarrar, porque resta pouco, mais ele corre. Por isso são sábios os velhos dos kimbos, nunca querem agarrar o tempo, deixam-no passar por eles, as
peles devem ser rugosas e o tempo entranha-se nelas, deslizando com mais dificuldade. Entranha-se mesmo nas peles das mulheres velhas tratadas diariamente com leite coalhado e óleos tirados de sementes especiais para ficarem macias. Se elas usam a sabedoria dos anciãos, as peles lisas pelo leite e óleo têm no entanto entalhes, escarificações, travando a corrida do tempo.
Nós achamos ser superiores, modernos, vivemos em cidades, porém não sabemos nada disto. O tempo goza com a nossa estúpida vaidade, passa por nós como um foguete, nos torna seus escravos. Os velhos dos kimbos não correm atrás, antes ficam parados contemplando as diferentes manchas de uma vaca, distinguindo uma de outra, assim conhecendo toda a manada, a sua e as dos vizinhos. Ficam a ver as formigas fazendo carreiros no
solo seco ou os pássaros sulcando riscos no espaço. Tantos riscos desenham os pássaros no espaço! Só é preciso saber ver.
Então, o tempo passa devagarinhovagarinho, como uma solitária gota de chuva se desprendendo com dificuldade de uma folha da árvore mutiati.
Éramos crianças e corríamos à volta da lagoa. Aos domingos depois da missa, pedíamos boleia no sô Rodrigues, comerciante da loja mais perto da casa, que nos levava de camioneta até à zona da Tundavala, onde ele tinha uma lavra grande. O resto do caminho fazíamos a pé. Ainda era longe, sobretudo o campo das
estátuas. Se tratava de rochedos, grandes e pequenos, mas muitos, os quais indicavam a aproximação da fenda. Para nós eram estátuas, pareciam talhadas de propósito, algumas quatro vezes a altura de um homem. Cada pedra era diferente e alguns dos meus amigos conheciam quase todas. Diziam, agora vamos passar
pelo elefante adormecido, depois era a vaca a parir, depois a mãe de um de nós a soprar na fogueira, depois o cão de cinco patas, a camioneta invertida, enfim, cada rochedo tinha o seu nome escolhido pela aparência, e eram centenas, que digo eu, talvez milhares. Levou anos e anos a darmos nomes àqueles rochedos todos. Às vezes havia discussões sobre os nomes, nem sempre estávamos de acordo.
A memória prega partidas, como a vida.
Vivi sempre com muitas pedras à minha volta. É bom ter pedras na vida. Sobretudo lembrar as que se teve. Nunca poderia esquecer o campo das estátuas. Muito menos agora. Os rochedos indicavam a direcção. Havia depois uma pequena planície com flores de muitas cores no tempo da chuva. E estávamos na fenda sem quase dar por isso. Já viram uma montanha cortada a pique, em cima o verde do planalto, em baixo o amarelo do deserto?
É quase assim. Só não é exactamente assim porque no meio há o Morro Maluco, o qual corta de verde e castanho o amarelo do deserto, lá em baixo. O deserto leva para o Namibe, o grande Sul que alguns chamaram Kalahari. Com muitos bois pelo meio.

Sem comentários:

Enviar um comentário