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Blog ou Blogue, na grafia portuguesa, é uma abreviatura de Weblog. Estes sítios permitem a publicação e a constante atualização de artigos ou "posts", que são, em geral, organizados através de etiquetas (temas) e de forma cronológica inversa.


A possibilidade de os leitores e autores deixarem comentários, de forma sequencial e interativa, corresponde à natureza essencial dos blogues
e por isso, o elemento central do presente projeto da Biblioteca Escolar (BE).


O BlogBESSS é um espaço virtual de informação e de partilha de leituras e ideias. Aberto à comunidade educativa da ESSS e a todos os que pretendam contribuir para a concretização dos objetivos da BE:

1. Promover a leitura e as literacias;

2. Apoiar o desenvolvimento curricular;

3. Valorizar a BE como elemento integrante do Projeto Educativo;

4. Abrir a BE à comunidade local.


De acordo com a sua natureza e integrando os referidos objetivos, o BlogBESSS corresponde a uma proposta de aprendizagem colaborativa e de construção coletiva do Conhecimento, incentivando ao mesmo tempo a utilização/fruição dos recursos existentes na BE.


Colabore nos Projetos "Autor do Mês..." (Para saber como colaborar deverá ler a mensagem de 20 de fevereiro de 2009) e "Leituras Soltas..."
(Leia a mensagem de 10 de abril de 2009).


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PS - Uma leitura interessante sobre a convergência entre as Bibliotecas e os Blogues é o texto de Moreno Albuquerque de Barros - Blogs e Bibliotecários.


segunda-feira, 29 de março de 2021

Farsa de Inês Pereira (10º E)

 

Prof. João Morais  

Ano letivo 2020/21                                                                               

17 de fevereiro de 2021

10º ano E     

 

                                                                                     

I

 

Lê com atenção o excerto da Farsa de Inês Pereira que a seguir se transcreve.

 Entra o Moço com uma carta e diz:

Esta carta vem d’Além,

creio que é de meu senhor.

INÊS - Mostrai cá, meu guarda-mor,

e veremos o que i vem.

Lê o sobrescrito.

«À mui prezada senhora

Inês Pereira da Grã,

à senhora minha irmã.»

De meu irmão... Venha embora!

MOÇO - Vosso irmão está em Arzila?

Eu apostarei que i vem

nova de meu senhor também.

INÊS - Já ele partiu de Tavila?

MOÇO - Há três meses que é passado.

 INÊS - Aqui virá logo recado

se lhe vai bem, ou que faz.

MOÇO - Bem pequena é a carta assaz!

INÊS - Carta de homem avisado.

Lê Inês Pereira a carta, a qual diz:

«Muito honrada irmã,

esforçai o coração

e tomai por devação

de querer o que Deus quer.»

E isto que quer dizer?

«E não vos maravilheis

de cousa que o mundo faça,

que sempre nos embaraça

com cousas. Sabei que indo

vosso marido fugindo

da batalha pera a vila,

a meia légua de Arzila,

o matou um mouro pastor.»

MOÇO – Oh, meu amo e meu senhor!

INÊS - Dai-me vós cá essa chave,

e i buscar vossa vida.

MOÇO - Oh que triste despedida!

 INÊS - Mas que nova tão suave!

Desatado é o nó.

S’ eu por ele ponho dó,

o Diabo m’ arrebente!

Pera mim era valente,

e matou-o um mouro só!

Guardar de cavaleirão,

barbudo, repetenado,

que em figura de avisado

 é malino e sotrancão.

Agora quero tomar

pera boa vida gozar,

um muito manso marido.

Não no quero já sabido,

pois tão caro há de custar.

Aqui vem Lianor Vaz, e finge Inês Pereira estar chorando.

LIANOR - Como estais, Inês Pereira?

INÊS - Muito triste, Lianor Vaz.

LIANOR - Que fareis ao que Deus faz?

INÊS - Casei por minha canseira.

LIANOR - Se ficaste prenhe, basta.

INÊS - Bem quisera eu dele casta,

Mas não quis minha ventura.

LIANOR - Filha, não tomeis tristura,

que a morte a todos gasta.

O que havedes de fazer?

Casade-vos, filha minha.

INÊS - Jesu! Jesu! Tão asinha!

Isso me haveis de dizer?

Quem perdeu um tal marido,

tão discreto e tão sabido,

e tão amigo de minha vida?

LIANOR - Dai isso por esquecido,

e buscai outra guarida.

Pêro Marques tem, que herdou,

fazenda de mil cruzados.

Mas vós quereis avisados...

 INÊS - Não! já esse tempo passou.

Sobre quantos mestres são

experiência dá lição.

LIANOR - Pois tendes esse saber,

querei ora a quem vos quer,

dai ò demo a opinião.

 

Construindo frases bem estruturadas e documentando as tuas afirmações com passagens do texto, responde ao questionário que segue.

 

 

1.    Refere três traços de caráter de Inês evidentes no texto.

 

 2. Mostra em que medida, no presente excerto, a Farsa de Inês Pereira apresenta duas marcas 

renascentistas.

 

 3.      Interpreta a crítica concretizada neste excerto.

 II

 Num texto expositivo de 250 palavras e com base na leitura da Farsa de Inês Pereira, 

mostra que esta peça vicentina é uma obra satírica.

 

 III

 Num texto expositivo de 250 palavras e com base na leitura da Farsa de Inês Pereira, 

apresenta a atualidade desta farsa vicentina.


 Cotações

I)                    90 pontos= 3 x 30 pontos (18+6+6)

 

II)                  55 pontos

 33 pontos (estrutura temática e discursiva)

22 pontos (correção linguística)

 

III)                55 pontos

 33 pontos (estrutura temática e discursiva)

22 pontos (correção linguística)


CORREÇÃO DO TERCEIRO TESTE DE PORTUGUÊS

                       Tenere lupum auribus.

I

1.     1.  Inês mostra-se fingida (“Muito triste, Lianor Vaz”- v.52), ardilosa (“Quero tomar por esposo/ quem se tenha por ditoso/ de cada vez que me veja”- vv. 79-81) e revoltada (“S’ eu por ele ponho dó,/ o Diabo m’arrebente!”- vv. 37-38).

A pergunta feita por Inês indicia a sua despreocupação e a indiferença em relação ao seu marido, traduzindo a sua atitude o facto de ela não saber onde este se encontra.   

            Podemos mesmo ler, porém, o seu desejo de obter a confirmação pelo Moço de o Escudeiro já se encontrar no cenário de guerra, o que pode ser uma esperança para Inês de se libertar da tutela de um marido tão opressor («Aqui virá logo recado/ se lhe vai bem, ou que faz. »). Com isto, o Moço responde-lhe com assertividade, com a função de antecipar o desfecho do percurso do Escudeiro: a morte anunciada na carta (“três meses”- v.14).

            Em qualquer caso, Inês manifesta um desejo de libertação no sentido de o marido se encontrar longe como se a sua ausência pudesse vir a significar uma destruição dos laços matrimoniais.

Para além disso, Inês mostra-se fingida, já que simula um sofrimento que não tem («Isso me haveis de dizer? /Quem perdeu um tal marido, /tão discreto e tão sabido, /e tão amigo de minha vida?»). Na verdade, a personagem, neste momento da peça, acaba por aderir à mundividência e à sugestão da grande comerciante, que é Leonor Vaz («Pois tendes esse saber,/ querei ora a quem vos quer, /dai ò demo a opinião.»).

        Inês é, portanto, uma personagem que se mostra indignada com a sua situação de submissão e está determinada a encontrar outra alternativa, de modo a alcançar a liberdade desejada, encontrando um marido submisso.

 

2.     2. Este excerto da obra A Farsa de Inês Pereira apresenta marcas renascentistas, na medida em que valoriza a experiência (“Sobre quantos mestres são/ experiência dá lição”- vv. 73-74) e critica mentalidades – a cobardia do Escudeiro, por exemplo (“ vosso marido fugindo/ da batalha pera a vila,/ a meia légua de Arzila,/ o matou um mouro pastor”-vv. 28-30).

            Gil Vicente defende, assim, a razão, característica do antropocentrismo renascentista.

 

3.      3. Através deste excerto, Gil Vicente pretende criticar os escudeiros que fingem ser valentes e são fanfarrões, mas que se revelam cobardes e fracos (“ vosso marido fugindo/ da batalha pera a vila,/ a meia légua de Arzila,/ o matou um mouro pastor”-vv. 28-30); a visão do casamento encarado como um negócio (“ Dai isso por esquecido,/ buscai outra guarida”- vv. 67-68); o comportamento das alcoviteiras (Lianor Vaz), que promoviam relações matrimoniais a troco de dinheiro e a falta de preparação­­­ – leia-se a importância de emergência de algumas raparigas cuja educação não as prepara para o casamento.

            Com a crítica, Gil Vicente concretiza, assim, a vertente morigeradora desta farsa com a qual respondeu ao desafio que lhe deram para o ilibar do plágio: “Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”.

II


FIP = obra satírica pq analisa e critica mentalidades e comportamentos de grupos sociais do início do séc. XVI.

Desfile de personagens-tipo, que atingem muitas vezes o nível da caricatura.

Recorre à ironia e ao cómico (Ridendo castigat mores) para realçar a crítica.

Tem uma função corretora.

Ex.:

-Brás da Mata representa os escudeiros falidos, prepotentes e sedutores, que, de modo eminentemente dissimulado, recorrem ao casamento para vingar na vida;

- os religiosos (o clérigo que assediou Leonor Vaz na vinha, quando a personagem entra em cena, e o clérigo com quem Inês pratica o adultério no final da peça) que abraçou a vida contemplativa sem ter vocação para tal;

- Leonor Vaz e os Judeus, que recorrem a atos sem muitos escrúpulos como a promoção de ligações lascivas ou de casamentos por interesse;

- …

A crítica vicentina tem uma função morigeradora: persegue a reabilitação moral do espetador através da denúncia da dissolução de costumes.

 III

            A Farsa de Inês Pereira, que foi escrita por Gil Vicente nas primeiras décadas do século XVI, veicula várias mensagens que se reatualizam nos tempos atuais.

            Ao longo da obra, é possível verificar que há muitas personagens que procedem a um trabalho de dissimulação. Brás da Mata é um exemplo disso, já que, ao encontrar-se com Inês, num primeiro momento, oculta a sua verdadeira intenção com este casamento, que é a de se promover financeiramente, pois, no início do século XVI, por não haver já os despojos da guerra, a classe dos Escudeiros à qual pertence era uma classe falida, que vivia na sombra da nobreza. Hoje em dia, ainda assistimos a este fenómeno dado que há muita gente que quer aparentar o que não é através, por exemplo, das redes sociais ou exibindo objetos de luxo que, para os ter, tem de passar privações. Também na política se observa esta dissimulação através de promessas que nunca são cumpridas, que refletem a natureza hipócrita dos políticos e não as boas intenções manifestadas nas campanhas eleitorais.

            Outro aspeto retratado na obra e que é possível constatar nos dias de hoje é a relação entre mãe e filha. Na farsa, Inês e a Mãe têm momentos de conflito e tensão, mas também têm momentos de afeto, como quando a Mãe aconselha Inês relativamente ao marido a escolher. Ainda hoje, apesar de tanto tempo passado, este tipo de relação se mantém igual, só com a diferença de que já é dada mais informação e mais liberdade às mulheres em alguns países do mundo, o que nem sempre, porém, resulta numa preparação desejável para o casamento. Temos como exemplo disto a recorrência de divórcios nos países ocidentais.

            Por último, um tema que é intemporal é o da valorização excessiva do dinheiro e os meios a que as pessoas recorrem para o obter. Desta forma, na obra, os Judeus Casamenteiros fazem tudo por tudo para encontrar um marido para Inês, reduzindo o casamento, que devia ser um pacto celebrado com amor, a um verdadeiro negócio. Atualmente, em várias nações do mundo, há pessoas, por exemplo, que utilizam o tráfico humano — de crianças, de mulheres, de órgãos — como forma de conseguir dinheiro, violando a dignidade do ser humano.

            Concluindo, a Farsa de Inês Pereira merece uma leitura atenta pelos leitores de hoje visto que há críticas que são feitas à sociedade do século XVI e que ainda estão presentes na nossa, evidenciando Gil Vicente que ainda há muitos aspetos a corrigir nas nossas mentalidades e instituições.

            (André Cotrim)

            A atualidade da obra Farsa de Inês Pereira faz-se notar através da construção de diversas personagens-tipo criadas por Gil Vicente, nomeadamente Inês Pereira (que, por evoluir, escapa tendencialmente, ao estatuto de personagem plana), a Mãe, Lianor Vaz, Pero Marques, o Escudeiro, os Judeus casamenteiros e o Ermitão.

            A Farsa de Inês Pereira faz uma profunda crítica a diversas classes sociais, desde o povo à baixa nobreza e ao clero. Apesar de, atualmente, não haver uma hierarquização tão vasta presente na Farsa, não deixam de existir traços das personagens ridicularizadas na obra que se reatualizam nos nossos dias.

            Inês Pereira, uma mulher sonhadora que anseia pelo casamento com alguém que a deslumbre («Queres casar a prazer no tempo de agora Inês?»), revela-se alguém, por um lado, que faz uma má escolha no ato de casar porque não teve uma educação desejavelmente informativa, e por outro, por se aproveitar, satisfazendo a sua libertinagem («Pera boa vida gozar»), da vulnerabilidade de Pero Marques. Esta caraterística visível no final do percurso de Inês é comum na atualidade, quando mulheres casadas praticam o adultério ou, pelo menos, exploram a ingenuidade dos maridos crédulos. A Mãe, tal como é comum atualmente, deseja que Inês case com alguém com posses monetárias para assegurar a sua estabilidade económica («Se nam tiveres que comer o tanger te há de faltar»).

            Lianor Vaz e os Judeus são a representação dos que ganham a vida com a promoção comercial de casamento de interesses, sem dar importância ao amor verdadeiro («dai isso por esquecido e buscai outro guarido»), situação presente em todos os tempos, e, em particular, nos anúncios e nas atuais agências matrimoniais promovidos na comunicação social. O Ermitão representa um membro do clero que falha na sua vocação ao ficar enamorado com Inês, o que se verifica no nosso tempo, por exemplo, no exercício de pedofilia, o que já mereceu o pedido de perdão ao mundo de alguns Papas.

            Pero Marques simboliza a vulnerabilidade e a tolice rústica («e que val ua destas?»). Esta personagem é usada por Inês para ela poder alcançar a liberdade exclusivamente para se dar a prazer. E o Escudeiro, um guerreiro cobarde («Matou-o um mouro só»), apesar de representar a baixa nobreza  — com muito menos representatividade atualmente  — tem como caraterização a cobardia e a mentira, traços comuns nos nossos tempos,  na política, por exemplo.

            Concluindo, apesar de ser uma obra que retrata o século de Quinhentos, caraterísticas como o adultério, o oportunismo, o materialismo, a cobardia e a vulnerabilidade dos ingénuos estão presentes no nosso dia-a-dia em aspetos políticos, sociais, afetivos, familiares e profissionais.

(Liliya Mykhayliv)

 

 

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